“Saí de lá sem aguentar falar”, relata senhora de 73 anos que sofreu com ação da Guarda Civil em Ouro Preto

"Saí de lá sem aguentar falar", relata senhora de 73 anos que sofreu com ação da Guarda Civil em Ouro Preto

“Eu saí de lá sem aguentar falar, porque me entupiu toda, fui ruim para a UPA”, esse foi o relato de Maria da Penha, de 73 anos, moradora de Ouro Preto há 22 anos, no Morro São João. Ela estava na manifestação na noite de quarta-feira (19), na Prefeitura Municipal e foi atingida pelo gás de pimenta que a Guarda Civil utilizou para expulsar as pessoas que ocuparam o prédio público.

Cerca de 400 pessoas foram para o ato ainda na tarde de quarta, muitos levavam sua conta de água, com o intuito de as entregar para o prefeito Angelo Oswaldo (PV). Porém, o chefe do poder Executivo não se encontrava no local, o que provocou numa ocupação popular na Prefeitura de Ouro Preto. Os manifestantes prometiam ficar ali até que o chefe do poder Executivo municipal aparecesse.

Ao anoitecer, com a chuva, muitos deixaram o local, mas outros ficaram na prefeitura até a água parar de cair. Durante esse tempo, os ânimos se exaltaram, tendo algumas discussões e tentativa de tomar o microfone de alguns secretários. Momentos depois, a Guarda Civil entrou no auditório do prédio e dispersou as pessoas utilizando gás de pimenta, atingindo praticamente todos os manifestantes, inclusive idosos.

“Ontem jogaram spray de pimenta em mim, eu fui parar lá na UPA. Uma filha de Deus que me levou. Fizeram a maior covardia com o povo, foi empurrando e jogando spray de pimenta em todo mundo. Eu saí de lá sem aguentar falar, porque me entupiu toda, fui ruim para a UPA. Não precisa disso, é só resolver o problema. Para que cobrar esse preço do povo? O povo aqui ganha um salário, a maioria está desempregado, não dá nem para comer. Essa conta é exploração e é roubo. Temos que conseguir, ela sai ou ela abaixa. Manda ela embora para onde eles vieram”, relatou Maria da Penha.

Maria da Penha foi levada à UPA Dom Orione por uma outra manifestante, Laura Rocha, que também relatou o medo que ela e as demais pessoas presentes sentiram na ação da Guarda Civil.

“Nós recebemos gás de pimenta num espaço fechado, com menos de um minuto que a Guarda Municipal entrou no espaço, não deu tempo da gente sair. Eu tive que acompanhar Maria da Penha na UPA. Eu estava com o meu filho lá. O que aconteceu ontem, sem reação da população, porque não tinha nem como a população reagir contra guardas armados, com cacetete, escudo e spray, fora a Polícia Militar do lado de fora, fazendo uma ostensividade, gerando bastante medo. Muita gente já estava com medo e no entardecer foi embora, mas uma parcela bastante significativa da população que continuava lá estava esperando a chuva passar para poder ir embora, sentindo que já tínhamos cumprido o nosso dever de cidadão de fazer a reivindicação que fomos lá fazer”, contou Laura.

Vivo sofrendo por causa da de água, eu até lavei roupa na cachoeira. Na primeira firma que teve, a gente ficava mais sem água do que com, então, era um sofrimento carregar água na cabeça lá do Morro São João. Veio essa firma agora e eu não dou conta de pagar, eles querem que eu pague R$ 3 mil. Eu ganho um salário, o meu esposo morreu tem um ano e três meses. Estou sozinha e tomo remédio. Eu sou sozinha, não tenho nenhum filho que mora aqui. Antes de ontem, um rapaz da Saneouro foi lá e falou que a minha conta é R$ 1.500, mas que eu preciso pagar R$ 3 mil. Eu não nego de pagar água, mas nesse preço ninguém tem condição de pagar.

Outra senhora, Maria Sérgia, moradora de Santa Rita, distrito de Ouro Preto, também estava na manifestação e viu a confusão que ocorreu dentro da Prefeitura Municipal. “Quando eu vi jogando spray de pimenta numa senhora que vai fazer 80 anos, eu fiquei apavorada e nervosa, porque o secretário do prefeito falou que poderia ficar lá até a chuva passar e a Guarda Municipal, junto dos policiais, invadiram lá dentro e começou a bater e jogar spray de pimenta. Em mim não jogaram”, disse.

Versão da Prefeitura de Ouro Preto

De acordo com o secretário de Defesa Social de Ouro Preto, Juscelino Gonçalves, não havia previsão legal que permitia a ocupação do prédio, ainda que a manifestação legítima. Segundo ele, houve a orientação para que as pessoas deixassem o espaço, mas os manifestantes não a seguiram.

“Nós destacamos que toda e qualquer manifestação é bem-vinda em Ouro Preto. Nós temos até orgulho dessas manifestações, porque é uma voz uníssona contra essa cobrança abusiva dos preços praticados pela Saneouro. Apesar de haver um ou outro mais exaltado, um tanto agressivo, teve até um que tentou tomar a força o microfone da minha mão e houve um momento de tensão. Logo em seguida foi contornado. Acontece que os manifestantes, a determinada altura, ameaçaram ocupar e ficar no prédio público, passando a noite lá. Não há previsão legal para isso e a Guarda Civil Municipal, inicialmente, convidou-os a se retirarem, conversando. Alguns, mais exaltados, não aceitaram e foi necessário um spray de pimenta para que as pessoas deixassem o espaço público, mesmo porque alguns estavam danificando o prédio público”, contou Juscelino Gonçalves.

Ainda de acordo com o secretário de Defesa Social de Ouro Preto, houve danos à porta, maçaneta e cadeiras da Prefeitura Municipal. “Foi necessário, então, que a Guarda Municipal, junto com a Polícia Militar, intervisse para desmobilizar aqueles mais agressivos que estavam lá. Não houve violência física, mas sim a proteção do prédio público, que é de todos os munícipes e das pessoas que lá trabalham e precisam chegar na outra manhã cedo para servir à população”, concluiu.

Em uma nota oficial, a Prefeitura de Ouro Preto disse que a manifestação foi bem acolhida pela administração municipal, por meio do secretário de Governo, Yuri Borges, mas que alguns estavam mais exaltados, fazendo uso de bebida alcóolica e depredando o espaço público.

“Os manifestantes foram recebidos no auditório da Prefeitura pelo secretário de Governo, Yuri Borges Assunção, pois o prefeito cumpre agenda oficial fora do Município. Vale ressaltar que a manifestação ocorria de forma pacífica, porém algumas poucas pessoas estavam mais exaltadas, inclusive fazendo uso de bebida alcóolica dentro do prédio público. Alguns destes mais exaltados tentaram invadir o gabinete do prefeito e passaram a danificar o patrimônio, com vários danos a portas, maçanetas e cadeiras, cujos efeitos serão objeto de perícia logo na manhã desta quinta-feira. Ao final, essas pessoas mais exaltadas usaram de violência física contra os representantes públicos que estavam presentes”, diz a nota.

Por fim, Angelo Oswaldo disse que haviam vândalos infiltrados na manifestação, que considera legítima, para depredar o prédio da Prefeitura de Ouro Preto. “Nós lamentamos muito o ocorrido ontem na sede da Prefeitura de Ouro Preto. Tudo transcorria muito bem, quando esse pequeno grupo resolveu vandalizar a prefeitura, quebrando portas, móveis, cadeiras, destruindo o nosso auditório, ameaçando os servidores municipais, os representantes do governo, tentaram vandalizar carros de pessoas ligadas à administração. Houve a necessidade da Guarda Municipal fazer uma intervenção vigorosa sob o comando da Secretaria de Defesa Social, em defesa da vida das pessoas que estavam ali, sendo ameaçadas por um pequeno grupo”, declarou.

Posição da Câmara

Os relatos das pessoas foram feitos na tribuna livre da Câmara Municipal, durante a 68ª Reunião Ordinária, ocorrida na manhã de quinta-feira (20). Seis moradores fizeram uso da palavra e a Casa Legislativa se comprometeu em acionar a Comissão de Direitos Humanos do poder Legislativo para averiguar os fatos.

“Eu não estava lá, tinha outra reunião marcada. Mas, a pedido dessas pessoas, vamos acionar a Comissão de Direitos Humanos da Casa Legislativa para averiguar os fatos e saber se houve um abuso ou não. Isso é uma obrigação da gente. O povo está a flor da pele, exaltado com o problema da Saneouro e nós estamos caçando caminhos para que se resolva no diálogo”, disse o presidente da Câmara de Ouro Preto, Luiz Gonzaga (PL).

Os relatos das pessoas que utilizaram a tribuna livre da Câmara de Ouro Preto, na manhã de quarta-feira, podem ser conferidos na íntegra clicando aqui.

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