Quando nasci, minha mãe notou que eu era um bebê cansado. Com aquele sexto sentido que apenas as super-heroínas possuem, ela sabia que algo não estava bem e, rapidamente, me encaminhou ao médico. Naquele momento, começava uma batalha: dos meus pais e também minha.
Descobriram que o meu coração tinha um probleminha, nasci com coarctação da aorta, uma obstrução parcial da passagem do sangue na artéria aorta. Segundo o portal do Hospital Israelita Albert Einstein, são 150 mil casos por ano no Brasil. Aos 6 meses de vida, eu entrava para a sala de cirurgia devido a minha cardiopatia congênita.
Em 2018 nos mudamos de casa, e nos achados dos fundos das gavetas (o leitor que já se mudou sabe bem da energia caótica de uma mudança), encontramos bilhetes de um médico: “observe a paciente com atenção, suspeita de coarctação da aorta”, “é urgente”! Pelo carimbo, descobri o nome dele e até mandei mensagem para a Santa Casa para agradecê-lo 20 anos depois, mas a mensagem nunca foi respondida.
Por falar em Santa Casa, a de Belo Horizonte conheço bem. São 22 anos e 6 meses acordando às 3h da manhã com o carro buzinando. Vamos até Ouro Preto e de lá, um micro — ônibus nos leva até Belo Horizonte. Lá encontro a Dra. Cathia, da cardiopediatria, sempre com um ecocardiograma em mãos, que ela avalia e diz que tá tudo bem, que a cirurgia foi um sucesso e que estou ótima, sem sequelas! Gosto de ouvir isso todo ano, confesso.
Acredito que essa rotina me fez querer ser jornalista. A cada ano que faço o controle, encontro pessoas novas e histórias novas: tristes e felizes. Hoje as consultas são realizadas no Centro de Especialidades Médicas, CEM, de uma estrutura e organização impressionantes, e vejo muitos bebês. Uma mãe se aproxima: “Ela também é da cardiopediatria, desse tamanho?” — sim, respondemos. Nesse tempo, minha mãe, que sempre me acompanha, conta toda a história, e parece que aquelas pessoas se enchem de esperança de que tudo dará certo. Sempre dizemos que sim.
A minha história não é mais especial do que a de milhões de brasileiros que dependem e têm suas vidas salvas pela saúde pública diariamente, nas infinitas especialidades da medicina.Na sala de espera que antecede a cardiopediatria mesma coisa. Como já dizia o Charlie Brown Júnior, são muitos dias de luta até os dias de glória. São mães, pais, filhos, netos, amigos que vêm de toda Minas Gerais, em busca de auxílio médico. Já vi celebração de curas, a dor do luto, o olhar vazio de mães e pais diante de um diagnóstico desesperador. De tudo isso, levo uma cicatriz, que brinco, charmosa nas costas, e o dever de reencontrar a cardiopediatria todos os anos. A ala D13 e D14 é incrível por muitos motivos.
E todos nós, do transporte até a consulta, somos exclusivamente dependentes do SUS. Mas essa relação não é apenas entre médico, paciente e área hospitalar. O nosso Sistema Único de Saúde também é responsável por, conforme o Ministério da Saúde: Assistência Farmacêutica, atenção à saúde, ciência e tecnologia, educação em saúde, gestão do trabalho, gestão participativa, promoção da saúde, regulação, doação de sangue, saúde suplementar, vigilância em saúde e vigilância sanitária.
Além de possuir, também, os bancos de leite materno, o tratamento contra o HIV (sendo referência mundial), transplante de órgãos (também o maior sistema do mundo) e a vacinação para todas as idades, também sendo referência. Em fatos,
conforme a secretaria de saúde da Bahia, cerca de 90% das cirurgias de transplantes de órgãos são feitas pelo SUS. A maioria dos planos privados de saúde não cobre este tipo de tratamento, cujo custo pode variar de R $4.000,00 a R $70.000,00. Através desse vídeo elaborado pelo Ministério da Saúde, você pode entender mais sobre a saúde pública no Brasil, suas transformações e importância.
A essa altura, o leitor deve pensar “como seria bom, se tudo fosse perfeito assim” e confesso, concordo. É inegável que existem condições precárias, descaso, demora, erros. Segundo a CNN Brasil, em matéria do dia 26 de agosto de 2021, o Brasil pode perder mais de R$ 20 bilhões por ano com desvios na saúde. Mas questionar o Sistema é totalmente diferente de defender seu fim ou sua “reformulação”, no caso, para pior. Essa discussão podemos realizar mais a frente.
Por agora, deixo aqui os meus agradecimentos e os mais sinceros parabéns a este, que entre desvio de verbas e outros tantos problemas, permanece sendo referência, permanece garantindo a vacinação, tratamento e a segurança de tantos. Com as UBS, as UPAS, as UTI’s, os enfermeiros, médicos, recepcionistas, auxiliares, seguranças, agentes, motoristas, socorristas, voluntários que permitem que o atendimento chegue aos locais mais complexo e que, desde antes de nascermos, zelam pela vida de todos nós.
Pelos 32 anos, por mim, pela cardiologia pediátrica, por melhorias e por cada brasileiro, DEFENDA O SUS!
Jornalista formada pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). Atua na Real FM pela editoria de esportes e é apresentadora do Papo de Bola (Escola da Bola) e da Live Jay Sports.