Com tecidos que contam histórias e guardam divindades, os ventos dos Andes sussurram nos morros de Minas através da exposição “Transbordar” do Museu Boulieu. No centro do Brasil colonial, a cidade hoje conhecida como Ouro Preto – antiga Vila Rica – recebe a expressão de outro povo que passou pelo processo de colonização e teve sua cultura miscigenada forçadamente com o modo de vida europeu. O artista Adrian Ilave Inca apresenta aos mineiros a expressividade do Barroco Peruano da cidade hoje chamada de Cusco, antiga Quéchua.
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O jogo de palavras do título da exposição se confunde com o jogo de sensações que a exposição gera. Além dos tecidos, é possível ouvir cânticos e ver mãos peruanas na lida, tingindo os fios, através de um telão exposto na sala de exposição temporária do Boulieu.
Na casa do Barroco brasileiro, a exposição concatena peças de tecidos andinos que remontam à época em que a influência católica europeia se misturava com a espiritualidade dos Incas. Isso ocorre porque, para o povo andino, as vestes possuem identidade, espírito e guardam informações sobre quem as produziu, vestiu e até mesmo tocou. Essa tradição pertence ao povo originário peruano, que, com a colonização, começou a incorporar aspectos da cultura ibérica e espanhola em suas vestimentas, criando o que hoje é conhecido como moda andina.
Adrian fez uma longa e bela explanação sobre a história de seu povo e explicou como, ao longo dos séculos de exploração, a verdadeira essência do povo andino foi mesclada com as cores, formatos e texturas das vestes do Velho Continente. Em outras palavras, os ‘ponchos’ que são comumente associados ao povo originário dos Andes são, na verdade, misturas dos panos andinos com os cortes europeus.
Do lado esquerdo, como são representados os ponchos e do lado direito, um exemplo da vestimenta tradicional. Os andinos usavam longos panos, mas sem os recortes e as figuras que hoje são representadas. Cada peça possui uma história, um criador e se torna portanto, criatura. De acordo com o artista por trás da exposição, as cores e o estilo eram as identidades de cada família, se ousasse mudar a forma que se vestia, era multado. Para os Incas, o tecido era mais valioso que o ouro.
E engana-se quem pensa que não existia um cuidado especial com a estética. Muito pelo contrário, nos primeiros dicionários que traduziam a língua andina, foram catalogados mais de 150 frases de deboche ditas para quem se vestia mal.
O Barroco Andino e o Barroco Brasileiro se aproximam, no sentido de que são expressividades da fé cristã dos povos colonizados. A catequização forçada dos povos originários das duas localidades fizeram surgir interpretações únicas do sagrado tradicional, fundindo com aspectos da geografia e realidade da América do Sul. Aleijadinho brilharia os olhos ao pensar sobre as aproximações de povos tão distantes.
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Ao Jornal Galilé, Adrian explicou a importância de expor em um Museu em Ouro Preto:
“É muito importante porque Ouro Preto foi o berço do Barroco mineiro brasileiro e, de alguma maneira, está recebendo uma cultura gigantesca também, que é o Barroco Andino. Portanto, é essencial que os Andinos estejam presentes em Ouro Preto, principalmente no Museu Boulieu, que carrega muita informação sobre a nossa cultura. É uma cultura que está ligada através dos barrocos, o Barroco de Minas e o Barroco de Cusco”
Nas obras escolhidas para o Museu Boulieu, a exposição Transbordar apresenta a vivacidade do povo originário do Peru, assim como a demonstração de seu dia a dia. De acordo com Adrian Ilave Inca, as cores e as vestimentas são formas de atenuar o sofrimento de um povo que sofre com as mais imprevisíveis agruras da natureza. Por conta da geografia, quem vive nos Andes sofre com medo do terremoto, tsunami, e avalanche, além de serem de quando em quando afetados pelo fenômeno climático chamado de “El Niño”.
E neste ponto as aproximações com o povo brasileiro reaparecem. Ouro Preto exibe, através da suas igrejas, a expressão de um povo que por séculos teve que lidar com exploração. Enquanto o barroco andino representado pelos panos peruanos e suas cores, o barroco brasileiro fala através da simplicidade impactante das esculturas de Aleijadinho.
Quem quiser conferir a exposição Transbordar, pode visitar o Museu Boulieu até o final do mês. Todas as quartas a entrada é gratuita. O museu fica na Rua Padre Rolim, 412, centro de Ouro Preto.
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Jornalista formado pela Universidade Federal de Ouro Preto, com passagens por Esporte News Mundo, Blog 4-3-3 e Agência Primaz.
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