O Instituto Guaicuy, Assessoria Técnica Independente (ATI) das pessoas atingidas pelas obras de descomissionamento da Barragem Doutor (Vale), em Antônio Pereira (distrito de Ouro Preto) protocolou, no dia 13 de setembro de 2023, um Ofício no Ministério Público de Minas Gerais relatando as fragilidades do processo de demolição de 19 imóveis da Zonas de Salvamento (ZAS).
Uma das fragilidades apontadas no ofício é a falta de transparência sobre as ações de contenção da poeira que impactam diretamente a rotina, saúde e bem estar da comunidade. As demolições podem impactar também no futuro levantamento da perícia, seja na avaliação de danos coletivos ou individuais homogêneos. Exemplo desse impacto seria a impossibilidade de valoração adequada da área do imóvel demolido e se as pessoas receberam justa indenização por ele.
Reunião entre a Vale e representantes da comunidade de Antônio Pereira
A mineradora, responsável por zelar pelos imóveis das pessoas removidas das ZAS, alegou, em reunião ocorrida em 04 de setembro, que a demanda de demolição partiu da própria comunidade. A saber, devido à falta de segurança e os riscos que os imóveis oferecem à população do entorno.
A Vale informou ainda que houve tentativas de cercamento, instalação de câmeras e ronda de segurança patrimonial na região, mas nenhuma ação ocorreu com êxito. A reunião também contou com a presença de representantes da Defesa Civil, CRAS (Centro de Referência da Assistência Social), Prefeitura de Ouro Preto, o vereador Vander Leitoa. Além de referências comunitárias do distrito acompanhadas da ATI.
Na ocasião, a Vale comunicou, então, a decisão de demolir 19 imóveis da ZAS já adquiridos por ela no processo de indenização. Ou seja, cuja transferência de titularidade já está finalizada. Ainda de acordo com a mineradora, os alvarás de demolição tiveram emissão pela Prefeitura Municipal de Ouro Preto no dia 28/08/2023, por meio da Secretaria de Desenvolvimento Urbano.
Ronald Guerra, coordenador-geral da ATI Antônio Pereira e vice-presidente do Instituto Guaicuy, pontuou na reunião que a demolição dos imóveis envolve danos já existentes na comunidade e precisaria ser comunicada ao Ministério Público. Já que,sobretudo, representa as pessoas atingidas no processo coletivo de reparação:
“Eu acho complicado fazer todo esse processo sem ter uma legitimação do Ministério Público ou do processo judicial. Que a situação é muito mais complexa e que envolve outros danos que vêm ocorrendo no território em relação, não só no que diz respeito a essas moradias que serão demolidas. Expliquei também que o GEPSA (perito da justiça no processo contra a Vale) estava chegando no território fazendo o cadastro e o levantamento dos danos. Que o Instituto Guaicuy também está ali já trabalhando, representando os atingidos, que é importante ter essa discussão de forma mais ampliada”, afirmou o coordenador.
Reunião entre Ministério Público e comunidade
Uma nova reunião aconteceu no dia 06 de setembro de 2023, com a presença de representantes da Prefeitura Municipal de Ouro Preto (Procuradoria, Defesa Civil Municipal e Fiscalização de Posturas), da Assessoria Técnica Independente e do Ministério Público de Minas Gerais.
Na ocasião foram levantadas questões relacionadas à possibilidade de repercussão das demolições no processo coletivo de reparação, como a possibilidade de dificultar o trabalho da perícia. Outras questões também foram levantadas na ocasião, como:
- necessidade de apresentação do cronograma de demolições;
- futuro do território e destinação das ZAS após o término do processo de descomissionamento da Barragem Doutor;
- comunicação precária e apressada junto à população envolvida;
- se as casas da ZAS localizadas na Vila Samarco também terão a demolição.
Ao final da reunião, a Defesa Civil de Ouro Preto se comprometeu em encaminhar uma notificação à empresa para reforçar a necessidade de uma comunicação qualificada com a comunidade e levantamento dos impactos urbanísticos no distrito.
ATI pede transparência e segurança para pessoas atingidas
A mineradora Vale afirmou, em cartilha distribuída virtualmente a algumas pessoas às vésperas da demolição, em função de “risco estrutural, infiltrações avançadas ou outros riscos”.
Entretanto, os imóveis que restarem de pé seguirão oferecendo risco aos moradores. Tendo em vista que muitos deles estão com o processo de indenização ou transferência da propriedade em curso ou não iniciado.
O Guaicuy, enquanto ATI das pessoas atingidas de Antônio Pereira, não se opõe às demolições ou quaisquer outras ações que tragam segurança e bem estar à população.
Os questionamentos da ATI se referem ao modo como esse processo está sendo realizado. Contudo, sem apresentação de proposta para o local após as demolições, sem a devida comunicação ao MP e sem garantias de segurança para a comunidade. “Tem uma série de questões que devem ser avaliadas, além da própria remoção. Porque não adianta fazer a remoção e a população ficar exposta a problemas de segurança, falta de iluminação, de infraestrutura”, completou Ronald Guerra.
Demolições iniciaram na quarta-feira (13)
Durante a produção e envio de ofícios sobre o caso aos órgãos competentes, o Instituto Guaicuy obteve a informação, através da Defesa Civil que as obras tiveram início na manhã da quarta-feira, 13 de setembro, na Rua Vereador Irineu Faria, no Loteamento Dom Luciano.
O Guaicuy esteve no bairro Dom Luciano conversando com as pessoas no local onde ocorreram as primeiras demolições. Sem querer se identificar, as pessoas contaram que as informações sobre as demolições chegaram de forma parcial (algumas tiveram acesso à cartilha digital). Outras não estavam sabendo, mesmo morando bem próximo à ZAS.
Apesar de concordarem com a demolição, o grupo afirmou que a mineradora não avisou adequadamente a vizinhança. Os informativos foram enviados por WhatsApp para uma parcela da região e o distrito, como um todo, não está ciente das ações.
Uma moradora, que também não quis se identificar, conta que a informação veio através do marido:
“ele saiu de casa pela manhã, viu a movimentação e perguntou o que estava acontecendo. Aí o pessoal da Vale falou que era demolição das casas”. Apesar da surpresa, a moradora conclui: “eu acho até bom demolir mesmo por que está tendo muito usuário de drogas escondido ali dentro, escondido de polícia, muitos bichos aparecem, é poeira, mato, os meninos vão brincar e tá saindo escorpião e cobra debaixo das casas paradas.”
Outros moradores do local relataram que a demolição das casas da Zona de Autossalvamento impacta no valor das casas do entorno: “minha casa desvalorizou muito. Quem é que vai querer comprar uma casa ao lado da Zona de Autossalvamento?”, questiona outra moradora do bairro que também não quis se identificar por receio de represálias por parte da mineradora.
O futuro da ZAS de Antônio Pereira
Sobre a destinação do local após o descomissionamento da Barragem Doutor, em que as demolições acontecerão, a comunidade do entorno concorda que tem que ser um espaço para o lazer ou para convívio da comunidade.
“Eles tinham que fazer alguma coisa de lazer para as crianças brincarem, só tem lazer lá embaixo, na quadra, aqui mesmo (Loteamento Dom Luciano) não tem nada para as crianças. Aqui só tem mato e sujeira.O tanto de entulho que tem”, lamentou a moradora.
Outra moradora do bairro, que também pediu para ter sua identidade preservada, conta que sente muito pela perda do convívio com os vizinhos:
“eu só queria que aqui fosse como antes, cada um na sua casa, cada um quietinho, porque as pessoas que saíram daqui criaram seus filhos aqui, tiveram toda uma vida, moraram aqui mais de 30, 40 anos, e agora tiveram que mudar pra outro lugar. Tem pessoas que não se adaptaram e voltaram pro Pereira. Eu conheço pessoas que foram indenizadas e compraram casa aqui.”
Até a data do envio deste release, o Ministério Público não se manifestou sobre o ofício enviado pelo Guaicuy.
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