Tarifa Zero: uma ideia do PT que terá impacto nas eleições 2024

Tarifa Zero: uma ideia do PT que terá impacto nas eleições 2024

Nem faz tanto tempo assim, mas, em 2013, o mundo e a nossa ideia sobre a Tarifa Zero eram completamente diferentes de hoje.

Veja só: há 10 anos atrás, Anitta só estava começando a envolver o mercado da música tupiniquim com seu Shows das Poderosas; a velocidade média da internet no Brasil era de 2,7 megas (10 vezes menor que a de hoje); o Uber ainda estava engatinhando com seu modelo de mobilidade e de exploração trabalhista e a Tarifa Zero… bem, essa parecia ser só uma ideia utópica, para cidades minúsculas, completamente diferente do que é hoje.

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No entanto, de 2013 para cá muitas coisas mudaram. Naquele ano, especificamente no mês de junho, alguns centavos a mais nas passagens da capital paulista mexeram em todo o cenário político do país.

O que pouca gente sabe é que um plano embrionado dentro do próprio Partido dos Trabalhadores de São Paulo, lá no começo da década de 90, não só poderia ter feito muita diferença em 2013, como provavelmente fará nas eleições municipais do ano que vem.

Tarifa Zero: uma ideia petista para a mobilidade no Brasil

Em 1990, Lúcio Gregori era secretário municipal de transportes do governo de Luiza Erundina, então primeira prefeita mulher da cidade de São Paulo, e filiada ao Partido dos Trabalhadores (PT).

Lúcio, que tinha no currículo uma graduação em engenharia e pós-graduação em Mecânica dos Fluidos pela USP, buscava um tipo de programa popular que atendesse a população da terra da garoa e, de quebra, reduzisse o desgaste que o governo sofria, em muito por causa da mídia.

Daí veio um insight com base em algo que já acontecia na França e que o secretário conhecia muito bem. Segundo o livro Tarifa zero – A cidade sem catracas, o plano era mais ou menos assim: “um exemplo específico da área de transportes, conhecido por Gregori e sua equipe e que já era discutido na SMT [ Secretaria Municipal de Mobilidade e Trânsito ] era o Versement Transport de Paris (no Brasil, chamado de Taxa de Transporte – TT), em que todos os estabelecimentos industriais, comerciais e de serviço da cidade pagam uma taxa que financia um terço do custo do sistema; outro terço é provisão do Tesouro Municipal e o último terço, da tarifa.

A ideia da nova equipe da SMT, então, foi a de retomar a TT como uma fonte diferente da tarifa e levar esta última ao limite, isto é, já mirando um subsídio total do custo para os usuários dos transportes coletivos”.

Só que havia um impedimento para que o projeto andasse desse jeito. De acordo com Gregori, “foi um balde de água fria saber da chefe da assessoria jurídica da prefeita que, de acordo com a Constituição Federal de 1988, a instituição de qualquer imposto municipal exigia a sua criação pelo Congresso Nacional”.

Matéria do jornal O Estado de São Paulo falando sobre o Tarifa Zero, em 1990.

Para viabilizar a proposta para a Tarifa Zero de forma constitucional, o governo do PT paulista propôs, então, a criação de um fundo para os ônibus municipais a partir de uma reforma tributária, principalmente do IPTU. Assim foi concebido o Fundo Municipal de Transporte (Fumtran), objeto do Projeto de Lei encaminhado à Câmara em setembro de 1990.

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Maricá, Mariana e as formas de se financiar o ônibus grátis

Mesmo com todo esse movimento feito no começo dos anos 90, a cidade de São Paulo até hoje não conta com a Tarifa Zero, em muito por conta de embates políticos. No entanto, o modelo proposto por Lúcio Gregori serviu de base para um dos melhores casos de financiamento de transporte coletivo no país: o da cidade de Maricá.

Sob o governo do prefeito Washington Quaquá (PT), Maricá foi o primeiro município brasileiro com mais de 100 mil habitantes a oferecer ônibus gratuitos para a população, no final de 2015.

O serviço de transporte em Maricá é administrado pela Empresa Pública de Transportes (EPT), que possui frota de 115 veículos e opera 38 linhas que realizam diariamente mais de 1.300 viagens. O programa Tarifa Zero para o transporte nos ônibus chamados de ‘vermelhinhos’ de Maricá é uma política social permanente da gestão municipal.

Sim, é isso mesmo: a empresa que cuida dos ônibus gratuitos da cidade é uma estatal.

Um dos vermelhinhos, os ônibus Tarifa Zero, de Maricá

Para que o próprio governo consiga essa façanha com qualidade, desde 2017, parte dos recursos que mantêm a Tarifa Zero em Maricá vem de um fundo — como aquele proposto no governo da Erundina —, neste caso, o Fundo Soberano, uma espécie de poupança abastecida com parte dos royalties do petróleo explorado na região.

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Ah, aqui vale dizer que no último mês de maio, este fundo chegou à marca de R$ 1,5 bilhão.

Seguindo por outro caminho, a cidade de Mariana conta com um esquema de financiamento da Tarifa Zero diferente daquele de Maricá ou do proposto por Lúcio Gregori.

Como noticiado recentemente aqui no Galilé, Mariana paga R$ 1,4 milhão por mês a Transcotta para manter, com recursos da própria prefeitura, o Tarifa Zero, já que a cidade não conta com qualquer tipo de fundo especial para cuidar do projeto.

Nem tudo são flores na Tarifa Zero

Hoje existem 72 cidades no Brasil com algum tipo de programa de ônibus grátis funcionando, porém, nem tudo são flores para todos os usuários do serviço.

Por exemplo: enquanto em Volta Redonda (RJ), parte do programa da Tarifa Zero é atendida por modernos ônibus elétricos, em outras cidades não é observado o mesmo cuidado com a frota de carros. Além disso, a isenção da tarifa faz com que aumente o volume de pessoas utilizando o transporte público, podendo, com isso, criar problemas de superlotação das frotas, afetando principalmente a camada mais pobre da sociedade, usuária em larga escala destes coletivos.

Outros pontos negativos de uma falta de planejamento financeiro para o Tarifa Zero são a dificuldade de levar o programa até distritos, juntamente com o pouco retorno econômico desta solução para cidades onde o custo de vida já é elevado.

Tarifa Zero nas eleições de 2024

Com capitais como São Paulo, Fortaleza e Brasília buscando alguma forma de acabar com as tarifas de ônibus ainda em 2023, a expectativa é que esta pauta seja bastante utilizada nos palanques das eleições do ano que vem.

No entanto, a questão pode ser mais complicada para lugares onde os benefícios já são oferecidos, afinal, neles a discussão é outra: é sobre qualidade do transporte e real impacto do programa na economia da cidade.

Tão importante quanto a oferta do transporte gratuito em si, se tem uma lição que o projeto de Lúcio Gregori deixou claro no começo dos anos 90, é a necessidade de dar sustentação para a Tarifa Zero. Só assim para que a população não perca algo tão importante do dia para a noite.

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