Ouro Preto recebe parte da coleção do Museu Internacional de Arte Naïf

Ouro Preto recebe parte da coleção do Museu Internacional de Arte Naïf

Curadoria reúne obras do Museu Internacional de Arte Naïf – que em 2016 teve suas atividades encerradas no Rio de Janeiro, abrigando o maior acervo do gênero no mundo

O projeto Arte nas Estações, idealizado pelo colecionador e gestor cultural carioca Fabio Szwarcwald, foi inaugurado nos dias 2, 3 e 4 de fevereiro de 2023,  com a abertura de três exposições temáticas a serem realizadas simultaneamente em três cidades mineiras: Ouro Preto, Congonhas e Conselheiro Lafaiete. O Arte nas Estações tem patrocínio do Instituto Cultural Vale, por meio da Lei Federal de Incentivo à Cultura, e realização da RKF Consultoria.

Com curadoria de Ulisses Carrilho, as mostras levam obras da coleção do Museu Internacional de Arte Naïf – que em 2016 teve suas atividades encerradas no Rio de Janeiro, abrigando o maior acervo do gênero no mundo – para espaços fora do eixo Rio-São Paulo, com o objetivo de disseminar a sua potência.

Arte Naïf é o termo usado para identificar a produção de artistas autodidatas, que não tiveram acesso ao ensino formal de arte. No entanto, Carrilho reconhece que se trata de um termo questionável, defendendo a sua utilização para desmontar a ideia de inferioridade e sublinhar o texto político que estas obras carregam. “Essas exposições são sobre saberes que precisam ser respeitados e que não fazem parte de uma norma. Vamos levar estas obras a lugares aonde ainda não chegaram, bem como aprenderemos com os saberes locais em cada parada que fizermos”.

Para o curador, a itinerância é a mecânica comum entre as três mostras distintas, que ocupam temporariamente os espaços e seguem para a próxima estação. “Faz todo o sentido falar de arte popular através dessa estrutura que monta e desmonta, como os grupos de teatro ambulante e de circo”, reflete.

Para Szwarcwald, diretor executivo do projeto, é um sonho levar um acervo tão rico a lugares que, muitas vezes, não têm oportunidade de receber exposições por falta de investimento: “A itinerância é rara nesses territórios e a gente quer ultrapassar essa concentração cultural nas capitais”, comenta. “É muito interessante levar artistas naïf às suas cidades natais, onde nunca chegaram a expor, dando a eles o merecido reconhecimento. Meu objetivo é utilizar a arte e o trabalho destes artistas como uma plataforma de educação, criando uma oportunidade dos espectadores terem uma visão ampliada sobre o mundo que vivemos hoje”.

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Curadoria reúne obras em três exposições temáticas realizadas simultaneamente em Ouro Preto, Congonhas e Conselheiro Lafaiete

Em Ouro Preto, no Paço da Misericórdia (antiga Santa Casa), “Sofrência” fala sobre apaixonamento e separação por meio de uma narrativa com início, meio e fim. Inspirada nas novelas, essa história apresenta ao público cenas de convívio social, flerte, festas e jogos de sedução, permeadas por poesias e poemas populares. “Olhar para essas obras faz lembrar como é político você dizer que ama alguém e manifestar o seu desejo”, reforça Carrilho.

A Estação ferroviária de Conselheiro Lafaiete, a 96 km da capital do estado, dá lugar à exposição “A Ferro e Fogo“. Nela, artistas populares abordam uma relação integrada entre as questões naturais e políticas. Manifestações e rebeliões são representadas nas obras que trazem cenas de luta pela preservação das espécies: uma mata exuberante, uma terra fértil, um povo nutrido de um forte desejo de construir.

Por fim, o Museu de Congonhas recebe “Entre o Céu e a Terra“, que aborda as fés – sempre no plural. Crenças, manifestações religiosas e crendices populares aparecem em cenas noturnas, céus estrelados, aparições, graças alcançadas, súplicas fervorosas e seres fantásticos do folclore brasileiro. A exposição conta ainda com um núcleo em que estadistas são retratados, como José Sarney e Getúlio Vargas, trazendo para a discussão a necessidade de acreditar numa ideia de Brasil também através da política.

A expografia, criada por Janine Marques, tem como objetivo reforçar a temática explorada em cada exposição e faz uso de elementos regionais para valorizar a cultura local, criando vínculos de identificação com o público. “Cada espaço vai ser travestido três vezes, de três temas diferentes”, destaca o curador.

Para além das obras naïf, cada exposição conta com uma videoarte contemporânea escolhida para dialogar com as temáticas abordadas. Soledad, de Juliana Notari, O levante, de Jonathas Andrade e Nada é, de Yuri Firmeza, funcionam como dispositivos pedagógicos para criar discussão, interagindo com o presente.

O programa educativo tem como foco o trabalho com alunos das escolas de cada região e reforça o diálogo das mostras com as questões da contemporaneidade, abordando o papel do artista, a função social da arte e a aproximação com seus públicos.

Ao colocar a arte naïf em diálogo com questões do nosso tempo, o projeto preenche uma lacuna da história da arte brasileira, não só ao dar visibilidade a esta coleção, mas ao chamar a atenção para uma problemática latente desde o encerramento do Museu de Internacional de Arte Naïf, em 2016. A instituição, que tinha sede num casarão histórico no Cosme Velho, no Rio de Janeiro, suspendeu as atividades por falta de financiamento. Atualmente, a coleção privada de Jacqueline Finkelstein encontra-se armazenada num guarda-móveis.

“Essas exposições podem ser o último suspiro de uma movimentação importante para trazer luz à situação da venda da coleção naïf. É importante mobilizar as pessoas, fazendo com que essas obras fiquem no Brasil”, alerta Szwarcwald. Atualmente, cerca de 3 mil peças da coleção estão sob o risco de serem vendidas para fora do país. Destas, 270 compõem o corpo das exposições do Arte nas Estações.

O envolvimento de Fabio e Ulisses com a coleção teve início em 2019, a partir da exposição-manifesto Arte Naïf – Nenhum museu a menos, realizada na Escola de Artes Visuais do Parque Lage, no Rio de Janeiro. Pensada a partir do acervo, então composto por 6 mil obras de artistas de 120 países, a mostra buscou sensibilizar o público sobre a importância deste conjunto para o Brasil.

O legado desta primeira iniciativa se reflete não só na realização do projeto Arte nas Estações, com a itinerância de algumas das suas obras, mas também no reconhecimento internacional de artistas como Odoteres Ricardo de Ozias. O seu trabalho, que serviu como ponto de partida para a exposição do Parque Lage, é exposto pela primeira vez em Minas Gerais, onde nasceu Ozias.

Para Carrilho, o projeto contribui para a valorização da arte popular, dando seguimento a uma espécie de revisão do que vem sendo considerado arte no Brasil, iniciada com a exposição de 2019. “Poder olhar para essa coleção com apreço pelo popular já é um fenômeno”, comemora. A força da poesia popular está não só na vivacidade das cores, mas também na capacidade desses artistas olharem para o exterior e fazerem o que Carrilho chama de “remix local”: “A cultura popular continua fazendo esse movimento de capturar o outro e de refazer a partir de si”.

O resultado disso é revelado, por exemplo, pelo interesse de galerias de arte e do mercado internacional pela Arte Naïf. “Infelizmente, essa pode ser a última oportunidade de a coleção ser vista no Brasil”, lembra o curador.

Na atual ausência do Museu, o projeto se encarrega de criar espaços para mostrar a coleção e chamar a atenção para a sua relevância. A expectativa é que esta seja apenas a primeira edição do Arte nas Estações, que pretende continuar levando as artes visuais a outras cidades do país.

Na atual ausência do Museu, o projeto se encarrega de criar espaços para mostrar a coleção e chamar a atenção para a sua relevância. A expectativa é que esta seja apenas a primeira edição do Arte nas Estações, que pretende continuar levando as artes visuais a outras cidades do país.

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