O que aconteceu com os telefones públicos (e porque isso importa)

O que aconteceu com os telefones públicos (e porque isso importa)

Outro dia saí de casa para fotografar alguns orelhões na rua.

Eu quis muito começar esse texto falando sobre isso porque, tirando a minha esposa, que sabia exatamente para quê e porque eu estava indo à rua naquele momento, para as outras pessoas que me viram fotografar um telefone público (em pleno 2023), nada daquilo fazia sentido.

“Por que diabos ele está fotografando o orelhão”? “Quem liga para isso hoje em dia”? “Menina, só agora reparei que ainda tem desses telefones na rua”.

Pode parecer algo excêntrico ou hipster demais falar sobre os telefones públicos hoje em dia, com iPhones, Androids e Xiaomis por aí, no entanto, acredite, mais do que simples ruínas eletrônicas de tempos de outrora, estes aparelhos tem muito a dizer sobre a forma como as novas tecnologias têm sido apresentadas (e até forçadas) pra gente nos últimos tempos.

Os primeiros telefones públicos no Brasil

Assim como Aloizio Mercadante e o Charlie Brown Jr, o primeiro telefone público do Brasil nasceu na cidade de Santos, em São Paulo.

O ano era 1934 e os primeiros TPs (telefones públicos) funcionavam à base de outra coisa bem estranha para os dias de hoje: dinheiro físico. A mecânica parecia ser simples, apesar de cara: demandava-se inserir uma pequena fortuna de 400 réis nos aparelhos para fazer uma ligação através das redes da Companhia Telefônica Brasileira (CTB).

E não ache você que tinha aparelho no meio da rua não: até a década de 70, telefones públicos só podiam ser instalados em lugares fechados, como bares, restaurantes e shoppings. O público não era tão público e o orelhão ainda não era orelhão.

A pequena cabine com formato de concha acústica que tanto conhecemos começou a ser desenhada em 1970 pela arquiteta Chu Ming e teve sua primeira versão instalada em 1971. Levando o nome de sua criadora, a cabine telefônica externa era chamada Chu II, apesar de ter ganho à época os apelidos de tulipa e capacete de astronauta.

O que aconteceu com os telefones públicos (e porque isso importa)
Projeto original do Orelhão, criado pela arquiteta e designer sino-brasileira Chu Ming. Créditos: orelhao.arq.br

Nestes aparelhos já não se usava dinheiro físico em forma de moeda, uma vez que as famosas fichas telefônicas começaram a ser utilizadas nos telefones públicos ainda na década de 1960.

Telefones públicos em Mariana e Ouro Preto

De acordo com uma matéria do Jornal Nacional, publicada em julho do ano passado, “o Brasil tem hoje 144 mil orelhões espalhados pelo país, e 85 mil estão em funcionamento”. Desse montante, 88 aparelhos estão em Mariana e Ouro Preto. Mais precisamente: 52 em Mariana e 36 em Ouro Preto, de acordo com os dados mais atuais da Anatel.

E não é difícil encontrar esses aparelhos por aí. Complicado mesmo é encontrar os que ainda funcionam.

O que aconteceu com os telefones públicos (e porque isso importa)
Telefone público ainda funcionando que encontrei em Passagem de Mariana

Mundialmente conhecidos como alvos de vândalos, os telefones públicos acabam contando um pouco da história a respeito das dificuldades que as sociedades encontram para fazer com que ferramentas comunitárias se preservem diante das vontades pessoais.

Uma história que me lembra o famoso — bem… famoso para pessoas como eu, que vieram da publicidade — comercial da década de 1980, “A morte do orelhão”, vencedor de um prêmio em Cannes e de dezenas de outros tantos pelo mundo.

Agora… se encontrar um orelhão funcionando já não é tarefa fácil, encontrar um lugar que venda um cartão telefônico novo é quase tão impossível quanto achar um restaurante que fique aberto até depois da meia noite.

Na minha pesquisa, não encontrei na região uma mísera banca de jornal, vendinha ou agência de Correio que ainda vendesse tal especiaria magnética, apesar dos telefones públicos continuarem com a tradição de fazerem ligações à cobrar.

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Uma tecnologia cada vez mais pessoal e menos comunitária

Foi durante o governo de Fernando Henrique Cardoso que ocorreram as privatizações das telecomunicações no Brasil, transferindo do poder público para a iniciativa privada o papel de fomentar a telefonia e a conexão de internet no país.

A ideia não funcionou como previam os liberais da época, já que celular, internet e TV a cabo lideram as reclamações no Procon desde então, mesmo com todas operadoras tendo herdado boa parte da infraestrutura construída pelo Estado até então.

Fundada em 1953, a extinta Telecomunicações de Minas Gerais S/A (Telemig), teve papel importante em montar a infraestrutura de cabeamento e ligar as regiões mais distantes aos grandes centros” são as palavras do secretário de Desenvolvimento de Minas, Fernando Passalio (que, vale lembrar, de “esquerdista” não tem nada), em uma entrevista para o Jornal Estado de Minas.

Coloco esses pontos não para dizer que os telefones públicos são melhores que os celulares, que a internet não deveria existir e que eu acredito que bom mesmo é fazer trabalhos em máquina de escrever e enviá-los em um envelope fechado com cera quente. Longe disso!

Meu ponto é: transferir do público para o privado algumas das demandas básicas da sociedade, como as das telecomunicações, trouxe uma visão mais personificada e menos comunitária sobre diversos aspectos da vida, inclusive sobre o uso das tecnologias.

Deixamos de pensar em telefones públicos (comunitários) para locais afastados e esperamos que um dia o sinal de telefonia celular (pessoal) chegue até lá, mesmo não sendo interesse da maior parte das operadoras atuar onde o lucro para elas é quase zero — e mesmo com o poder público sendo capaz de investir em uma infraestrutura de fibra óptica (familiar, pessoal e também comunitária) para estes distritos e subdistritos.

Esquecemos que os orelhões podem servir para aquelas pessoas que não tem celular (mas precisam marcar uma entrevista de emprego), não tem crédito, tiveram o smartphone roubado e precisam fazer uma ligação urgente, estão com o aparelho móvel sem bateria ou às vezes moram, como foi dito, em lugares onde o sinal das operadoras não chega. E esquecemos disso porque agora o telefone não é mais da comunidade ou da casa: é só nosso.

Olhar para os telefones públicos não é ter nostalgia de um tempo onde, ao contrário do que a nossa memória pode escolher contar, as coisas não eram tão mais simples, principalmente se você faz parte de algum grupo minoritário. Olhar para os telefones públicos é lembrar que talvez precisemos pensar melhor em ferramentas comunitárias. Talvez até mais modernas, que transformem estes totens antigos em espaços digitais para todos.

O que aconteceu com os telefones públicos (e porque isso importa)
Antiga cabine telefônica transformada em totem digital com wi-fi gratuito em Nova York – Crédito: New York Magazine

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Se você tem alguma história com os telefones públicos de Mariana ou Ouro Preto, ou se lembrou agora de algum que era o seu favorito para fazer ligações, poste uma foto dele ou comentário e marque o @jornalgalile.

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