Chegamos ao fim de um ano marcado por um ciclo de perdas, lamentamos juntos a partida de diversas personalidades, várias delas fortemente registradas em memórias da nossa infância ou adolescência. Esses famosos que nos deixaram em 2022, alguns, mesmo sem conhecê-los pessoalmente, despertam em nós a sensação de terem crescido junto com a gente. Criamos com eles laços tão fortes que o sentimento é que morre junto um pedaço da nossa própria história.
Lembro do Jô Soares desde os ‘tempos do onça’, quando eu acompanhava, em preto e branco, ao lado dos meus pais e irmãos, seus programas de humor na tevê. Jô morreu aos 84 anos e deixou uma extensa e valorosa história de realizações. O mesmo vale para o Pelé, que partiu ontem aos 82 anos de idade.
É triste quando perdemos gente assim, “tão íntima”, e foram vários. Elza Soares voou em 2022, aos 91 anos. Rolando Boldrin, aos 86. Arnaldo Jabor faleceu aos 81 anos, mesma idade do tremendão Erasmo Carlos, que também partiu. A acadêmica escritora Lygia Fagundes Telles, nascida em 1918, é outra que morreu em 22, aos 103 anos. Já a nossa querida Gal Costa, esta, nos deixou em novembro, aos 77 anos. Perdemos ainda Jair Bala, do América Futebol Clube, grande ídolo do Coelhão que se encantou há poucos dias, aos 79 anos de idade.
Se incluirmos na lista nomes do cenário internacional, o ano que passou levou ainda o pai da Perestroika, Mikhail Gorbachev, o último presidente da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, aos 91 anos de idade. E a conservadora rainha Elizabeth II, aquela que condecorou Pelé Cavaleiro da Coroa Inglesa, em 1997. A monarca abandonou o plano terrestre em setembro, aos 96. E foram muitos outros que nos deixaram mundo afora.
Parece que tantas perdas nos levam a pensar, será que 2022 foi mesmo um ano sinistro? E como serão os tempos que virão? Percebe-se no ar um clima de insegurança, sobretudo, em pessoas de determinadas gerações, e isso inclui a minha.
Mas, em modesta opinião, acho mesmo que não há nada novo acontecendo entre os céus e a Terra. O certo é que nunca nos preparamos para perder nada, nem um guarda-chuva. E, quando se trata de entes queridos, é ainda mais complicado aceitar. Pior quando as pessoas nos deixam antes da hora, aí sim, o sentimento de que o mundo e o destino são muito injustos incomoda demais. Talvez, a imortalidade seja um sentimento arrogante, difícil de superar.
Toda essa reflexão me fez lembrar de uma prosa com um velho conhecido, o infectologista Carlos Starling. Ele, renomado especialista em vírus, bactérias, fungos e protozoários, comentou certa vez, em uma de roda de conversa entre amigos, que a morte é democrática pois atinge a todos, e é ela que nos coloca em pé de igualdade com tudo que existe no universo, desde as estrelas até os microrganismos. Tudo se vai um dia.
Mas, parece que criamos para nós uma sociedade onde a normalidade provoca espanto. Pessoas bem vividas partindo no seu tempo, isso nos deixa atordoados. Já 700 mil mortos, anônimos de todas as idades, numa pandemia, para certo tipo de gente, não tem nada demais. Mundo estranho esse nosso, não?
Por Victor Stutz, 30 de dezembro de 2022*
Fundado em 1990 por Francelina e Arnaldo Drummond do antigo Instituto de Arte e Cultura da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), o jornal nascia em meio a uma onda democrática, que inspirava os brasileiros naquele momento. Tendo como objetivo levar informação aos cidadãos ouro-pretanos, o Galilé se diferenciava dos demais concorrentes por ser um jornal de opinião, oferecendo um pensamento crítico acerca da realidade ouro-pretana e brasileira.
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