A ex-aluna da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), Jumara Seraphim Pedruzzi, foi premiada como melhor tese defendida no Programa de Pós-Graduação: Conhecimento e Inclusão Social, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), no ano de 2021. O trabalho da doutora, intitulado “Mulheres rumo à docência: trajetórias de normalistas em Ouro Preto – MG (1871-1930)”, teve a orientação da professora Mônica Yumi Jinzenji.
O Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da UFMG se destaca como um dos melhores do Brasil, com nota 7, pela avaliação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), produzindo anualmente dezenas de teses de doutorado.
“Quando eu recebi a notícia e o convite para a cerimônia de premiação, me senti imensamente feliz, surpresa e honrada. Ter a oportunidade de representar esse programa no prêmio, para mim foi uma grande honra. Ter o reconhecimento dessa investigação, que desenvolvi com tanto empenho e dedicação, por mais de quatro anos, e em um tema que sempre me foi tão caro (história das mulheres e relações de gênero na educação), foi emocionante”, contou Jumara ao Jornal Galilé.
A parte final da tese foi escrita ainda no contexto de pandemia de Covid-19, quando haviam muitas incertezas, com arquivos e bibliotecas fechados, o que dificultou a conclusão do trabalho. “Me fez pensar em alternativas para não comprometer a sua qualidade. Assim, essa conjuntura adversa tornou o reconhecimento da tese ainda mais especial e importante para mim”, relatou a doutora.
Jumara Seraphim é natural de Vargem Alta, no Espírito Santo. Ela se formou em História (Licenciatura e Bacharelado) na UFOP, em 2013. No ano seguinte, ela ingressou no Mestrado em Educação da mesma instituição, concluindo-o em 2016. Em 2017, ingressou no Doutorado em Educação, na linha de História de Educação, da UFMG, defendendo sua Tese em maio de 2021. Atualmente, ela é professora substituta do Departamento de Educação, Política e Sociedade, da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).
Sobre a tese
Em sua tese de Doutorado, Jumara analisou a trajetória de egressos e egressas da Escola Normal de Ouro Preto (ENOP), unidade de formação de professores primários, no contexto de feminização do corpo discente da instituição, entre as décadas de 1870 e 1880 do século XIX, quando a Cidade Patrimônio ainda era capital da província de Minas Gerais.
“Eu já vinha estudando a Escola Normal de Ouro Preto desde o meu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) do Bacharelado em História na UFOP. Na época em que estava buscando um tema para a escrita do TCC, o meu então orientador de Iniciação Científica, o professor Doutor José Rubens Lima Jardilino, me falou sobre essa instituição, que foi a primeira Escola Normal criada em solo mineiro, em 1835. Ele me falou, ainda, que tinha ouvido falar que havia um acervo histórico acerca dessa instituição em um Escola de Ouro Preto (Escola Estadual Dom Velloso). Me interessei então pelo tema e fui buscar mais informações sobre ele. Após muitas leituras, fui até a Escola Dom Velloso e, com o aval da direção, comecei a pesquisar nos documentos que lá haviam”, relatou.
Com a junção dessas fontes mais outros documentos localizados no Arquivo Público Mineiro (em Belo Horizonte), Jumara Escreveo o TCC intitulado “A ESCOLA NORMAL DE OURO PRETO: INSTITUIÇÃO, SUJEITOS E FORMAÇÃO DOCENTE (1889-1929)”, em que analisou o percurso da ENOP, bem como aspectos de seu corpo discente, no contexto da Primeira República no Brasil. No mestrado em Educação, ainda sob a orientação do professor Dr. José Rubens Lima Jardilino, continuou pesquisando a ENOP, dessa vez no contexto do Império Brasileiro. Assim, com o título de “A ESCOLA NORMAL DE OURO PRETO: INSTITUIÇÃO E FORMAÇÃO DOCENTE NO CONTEXTO EDUCACIONAL MINEIRO DO SÉCULO XIX (1835-1889)”, defendeu sua dissertação de mestrado, que analisava o percurso da instituição no período imperial brasileiro, dando ênfase especial aos seus períodos de crises e reestruturações e suas motivações.
“A partir dos dados localizados na minha pesquisa de mestrado, pude perceber a progressiva feminização do corpo discente da ENOP, principalmente nas duas últimas décadas do Império brasileiro, isso me inquietou e me fez pensar as razões pelas quais as mulheres iam se matriculando, cada vez mais, em uma instituição que recebia majoritariamente homens como alunos em suas primeiras fases de funcionamento. Mais que isso, me inquietou também saber quem eram essas mulheres pioneiras e também os homens que permaneciam ingressando e se formando em um curso que, aos poucos e cada vez mais, ia se tornando feminino. Foi assim que surgiu o tema para o doutorado. Apresentei então o projeto de pesquisa na seleção do PPGE da UFMG no ano de 2016, que foi aprovado, e no ano seguinte dei início a pesquisa, sob a orientação da professora e doutora Mônica Yumi Jinzenji”, disse Jumara.
Atividades
A tese de doutorado abordou a questão da relação entre gênero e docência, especialmente no que diz respeito aos processos de feminização da formação e da profissão docente no Brasil, entre a segunda metade do século XIX e as primeiras décadas do século XX. Possuiu como foco de análise a investigação das trajetórias pessoais e profissionais de 68 normalistas (moças e rapazes) que se formaram pela Escola Normal de Ouro Preto no contexto de feminização do corpo discente da instituição. Seus principais objetivos foram:
- Identificar as origens familiares e sociais dos/as estudantes que concluíram o curso da ENOP entre as décadas de 1870 e 1880;
- Traçar o perfil desses/as normalistas no período em que estavam no curso de formação;
- Analisar seus percursos pessoais e profissionais após obterem o título de normalistas;
- Entender como se deu o processo de feminização do corpo discente da instituição
- Investigar a inserção na docência primária das alunas formadas pela ENOP.
Para responder aos objetivos da pesquisa, foram consultados vários arquivos históricos localizados nas cidades de Belo Horizonte, Ouro Preto e Mariana. Também fez-se uso de documentos presentes em uma série de acervos online. Nesses arquivos (tanto físicos quanto digitais) foi coletada e analisada uma grande quantidade de fontes diversas, como: registros escolares, documentação da administração pública de Minas Gerais, jornais, revistas, almanaques, censos, legislações, documentos cartoriais e eclesiásticos, entre outros. Como resultados, a pesquisa demonstrou empiricamente e confirmou alguns pressupostos já existentes no campo, redimensionando outros.
Em linhas gerais, constatou-se que a ENOP, entre as décadas de 1870 e 1880, formou um grupo de normalistas diversificado, sendo a maioria natural da própria cidade de Ouro Preto, e pertencentes aos estratos sociais médios ligados ao funcionalismo público mineiro. A quantidade de moças formadas foi maior que a de rapazes no recorte analisado. Verificou-se que a maioria dos egressos e, sobretudo, das egressas atuaram na docência em pelo menos algum momento de suas vidas, lecionando, predominantemente, no magistério público mineiro. Entre as distinções de gênero, destacam-se a maior e mais rápida ascensão na carreira para eles que para elas e uma relativa incidência de mulheres que conciliaram o matrimônio e a maternidade com o magistério.
Constatou-se, por fim, que essas mulheres pioneiras enfrentaram uma série de lutas, desafios e resistências de diferentes ordens ao longo de suas vidas, em um contexto de transição da profissão docente, que deixava de ser composta quase que exclusivamente por homens, para ser assumida, majoritariamente, por mulheres.
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Pesquisa sobre educação
Jumara acredita que o campo da educação é extremamente importante para as pesquisas acadêmicas. Abrangendo uma grande quantidade de linhas de investigação, ela crê que os estudos científicos em educação ajudam a compreender, analisar e diagnosticar uma série de processos que impactam o cenário educacional do país. Assim, todos os anos, nas mais diferentes instituições do Brasil, são produzidos inúmeros estudos em diferentes linhas, como: avaliação escolar, educação e infância, formação de professores, currículo, políticas públicas, entre muitos outros.
“No que diz respeito especificamente a linha de História da Educação, que é aquela em que a minha tese se enquadra, os estudos produzidos ao longo dos anos permitem a análise mais apurada do cenário educacional em diferentes espaços, contextos e tempos. Auxiliam, ao mesmo tempo, na compreensão de processos educacionais presentes ainda nos dias atuais no país e no mundo. Permitem, ainda, questionar e desnaturalizar ideias generalizantes acerca da História da Educação, propagadas, muitas vezes, pelo senso comum, e que nem sempre condizem com a realidade”, declarou Jumara.
Em sua tese, Jumara constatou que, mais do que buscar uma formação diferenciada ou um bom casamento, as mulheres formadas pela ENOP nas décadas de 1870 e 1880 atuaram no magistério público mineiro, conciliando, muitas vezes, a atividade docente com o casamento e a maternidade. Também, foi possível perceber que, no caso de Ouro preto, os homens egressos, em sua grande maioria, não deixaram a profissão em busca de outras mais rentáveis. Os que se formaram, majoritariamente, efetivamente atuaram no magistério. Por fim, a tese possibilitou, a partir da análise de trajetórias, chegar à conclusão de que o processo de feminização do magistério no Brasil, apesar de já intensamente estudado, é um evento complexo e com muitas nuances, que variam de contexto para contexto, não podendo, portanto, ser entendido a partir de explicações únicas e generalizantes.
“Acho importante também destacar que a tese trata de uma instituição que, apesar de ter sido a primeira escola de formação de professores criada em Minas Gerais, e uma das primeiras do Brasil, ainda é pouco conhecida da população em geral. Muito se ouve falar, por exemplo, acerca da história das Escolas de Minas e de Farmácia de Ouro Preto. A mesma divulgação, porém, não se observa no que diz respeito ao percurso da Escola Normal da cidade, que também tem a sua origem no século XIX, o que nos faz pensar em certa hierarquia de profissões no imaginário social, em que uma instituição que formava professores e, sobretudo, professoras, é menos lembrada do que uma que formava engenheiros, por exemplo”, ressaltou.
Jumara também acredita que sua tese auxilia no resgate da trajetória de mulheres que tiveram seus nomes parcialmente esquecidos ou negligenciados ao longo do tempo, mesmo fazendo parte do primeiro grupo de normalistas formadas em Ouro Preto e em Minas Gerais, e que foram atuantes no magistério mineiro por décadas, abarcando diferentes gerações.
“Essas mulheres pioneiras, que fizeram o curso normal e foram docentes, em um contexto em que a profissão docente e o espaço público, em sua maioria, ainda eram dominados por homens, enfrentaram uma série de desafios, lutas e preconceitos ao longo de suas trajetórias profissionais, mas, ainda assim, abriram caminhos, mesmo que indiretamente, para que outras meninas, mulheres e moças conquistassem outros espaços sociais posteriormente. Nesse sentido, considero essencial que elas sejam lembradas e que tenham suas trajetórias resgatadas”, disse.
Futuro
Após o trabalho premiado, Jumara pretende continuar com suas investigações no campo da história da educação brasileira. Há muitos dados que foram coletados ao longo da pesquisa de Doutorado que, por questões de espaço e tempo, não foram utilizadas na tese. Assim, a doutora pretende ainda escrever artigos sobre o tema, abordando aspectos que não trabalhou até agora.
“Sou uma apaixonada pela pesquisa acadêmica histórica e, confesso, já estou sentindo falta dela, depois que o Doutorado terminou. Assim, pretendo, nos próximos anos, pensar em um projeto de Pós-Doutorado, tendo ainda a ENOP e os seus sujeitos como foco de análise. Essa é uma instituição importantíssima para Minas Gerais e para o Brasil, de maneira geral, e há ainda muitos pontos importantes para se investigar a seu respeito”, finalizou.
Jornalista graduado pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), tendo passagens pelo Mais Minas, Agência Primaz e Estado de Minas.
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