Agora é crime! Advogado explica a criminalização do bullying e cyberbullying

No início desta semana, o presidente Lula (PT) sancionou a lei que tipifica como crime o bullying e cyberbullying no Brasil. O Projeto de Lei (PL) 4.224/2021 também transforma em crimes hediondos vários atos cometidos contra crianças e adolescentes, como a pornografia infantil, o sequestro e o incentivo à automutilação. Mas o que isso significa? O que muda na relação entre as crianças e como essa legislação pode ajudar as famílias a protegerem os menores de idade? Como comentários e interações nas redes podem trazer implicações legais? O jornal Galilé conta com a ajuda de Gabriel de Faria, advogado criminalista de Ouro Preto que explica os aspectos mais importantes dessa lei.

O termo “bullying”, difundido pelo professor de psicologia Dan Olweus, descreve ações deliberadas e recorrentes de intimidação e agressão, seja verbal ou física, frequentemente perpetradas por indivíduos conhecidos como “valentões” em países como o Reino Unido e os Estados Unidos. Esses ataques, muitas vezes sem motivo aparente, apresentam também formas mais sutis, como o isolamento social e a disseminação de boatos. Por outro lado, o cyberbullying se manifesta através de práticas como intimidação, humilhação, exposição vexatória, perseguição, calúnia e difamação em ambientes virtuais, como redes sociais, e-mails e aplicativos de mensagens. Embora a incidência predominante ocorra entre adolescentes, é notável a presença significativa de jovens adultos envolvidos nessa prática criminosa.

De acordo com a Agência Senado, a discussão sobre o tema ganhou holofote no Brasil após os recentes casos de violência nas escolas brasileiras, indo desde casos mais extremos como ataques organizados, até humilhações públicas de alunos, levando a consequências traumáticas. Ao comentar sobre a lei, o senador relator Dr. Hiran (PP-RR) relembrou dois casos em escolas de Santa Catarina ocorridos em 2021 e 2023 que, ao todo, deixaram sete crianças e duas professoras mortas.


O QUE SIGNIFICA A CRIMINALIZAÇÃO DO BULLYING E CYBERBULLYING ?

Agora é crime! Advogado explica a criminalização do bullying e cyberbullying
A intimidação agora é crime.

O que os pais devem se perguntar com a nova legislação é: mas já não existem punições para agressores? Bom, na verdade, essa ação do legislativo brasileiro busca exatamente tratar essas condutas de forma específica, com penas que incluem multa e reclusão em alguns casos. É isso que explica Gabriel de Faria, que destaca ainda que a mudança visa ampliar a proteção de crianças e adolescentes que são frequentemente vítimas dessas práticas.

Chamo a atenção para os ouvintes e leitores, pois essas situações frequentemente ocorrem ao nosso lado, principalmente para aqueles que têm filhos ou sobrinhos em idade escolar. Muitas vezes, essa situação já está acontecendo, e a escola ou instituto educacional não toma as medidas preventivas e corretivas cabíveis. Percebemos uma alteração no comportamento dessa criança ou adolescente, o que pode indicar a ocorrência dessa prática. É responsabilidade de todos, não apenas do estado e das instituições educacionais, perceber essa mudança e esses sinais de intimidação sistemática“, destaca Gabriel.

O projeto inclui a tipificação das duas práticas no Código Penal. Bullying (intimidação sistemática) é definido como “intimidar sistematicamente, individualmente ou em grupo, mediante violência física ou psicológica, uma ou mais pessoas, de modo intencional e repetitivo, sem motivação evidente, por meio de atos de intimidação, de humilhação ou de discriminação, ou de ações verbais, morais, sexuais, sociais, psicológicas, físicas, materiais ou virtuais”. A pena prevista é de multa, se a conduta não constituir crime mais grave.

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Gabriel informou que uma das críticas à nova legislação é a punição imputada ao delito. Especialistas acreditam que a multa é uma forma branda de responsabilizar os agressores. Já o cyberbullying, ou assédio virtual possui algumas caracterizações diferentes, como uma pena mais grave.

Por isso, o Advogado chamou a atenção para a responsabilidade dos pais no ambiente virtual. Afinal de contas, a tipificação do cyberbullying implica na responsabilização maior das agressões dentro das redes. Nos últimos anos têm crescido o número de fenômenos de incentivo ao suicídio e grupos de ataques coletivos à crianças e adolescentes. Por isso, a criminalização é importante e traz um novo aspecto de discussão para o tema.

Diante da globalização da informação e do acesso cada vez mais amplo e precoce aos meios de comunicação, incluindo computadores, celulares e redes sociais, a intimidação sistemática pode ocorrer também no ambiente virtual, por meio de aplicativos de mensagens, redes sociais, jogos online ou outras plataformas que permitam a interação entre as pessoas. O cyberbullying, caracterizado por essa intimidação praticada via internet, é considerado uma situação grave, sujeita a uma pena mais severa, incluindo de reclusão de 2 a 4 ano se multa, caso essa conduta de bullying virtual não seja classificada como crime“, explicou Gabriel ao jornal Galilé.

Se formou em direito pela Universidade Federal de Ouro Preto em 2017 e é especialista em Ciências Criminais pela PUC/MG. Foto: Instagram/ Gabriel de Faria

BULLYING ENTRE MENORES DE IDADE: PUNIÇÕES E RESPONSABILIZAÇÕES

A maioria dos casos de bullying e cyberbullying acontecem entre jovens menores de 18 anos, e por isso existe um cuidado especial ao analisar a lei que criminaliza essas agressões. De acordo com o código penal, os menores de idade são inimputáveis, ou seja, não respondem criminalmente pelos delitos.

Nesse contexto, quando menores de idade, entre 12 e 18 anos, praticam atos análogos ao crime de bullying ou cyberbullying, eles não são sujeitos às mesmas punições presentes no código penal para adultos imputáveis. Em vez disso, são submetidos ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que prevê a aplicação de medidas socioeducativas em vez de prisão ou reclusão. Mesmo que o crime de cyberbullying tenha uma pena de reclusão quando praticado por crianças ou adolescentes, o tratamento jurídico é direcionado pelo ECA, enfocando intervenções multidisciplinares e socioeducativas para a recuperação do infrator.

Contudo, caso seja comprovada a prática de bullying ou cyberbullying, judicialmente, isso acarretará responsabilidade para os pais ou responsáveis legais da criança:

No caso da prática comprovadamente apurada de bullying ou cyberbullying, judicialmente acarretará responsabilidade para os pais ou responsáveis legais da criança e adolescente, quando estes forem os autores dessa conduta. No direito, isso é chamado de responsabilidade objetiva, significando que esses pais ou responsáveis legais deverão indenizar financeiramente as vítimas, independentemente de comprovação de omissão na criação, prevenção ou correção do comportamento do filho praticante do bullying. Essa indenização abrangerá danos materiais, financeiros, pecuniários e morais, referindo-se a ofensas aos direitos de personalidade e autoestima sofridos pela vítima“, explicou Gabriel de Faria.

PORNOGRAFIA INFANTIL E OUTROS CRIMES SÃO HEDIONDOS: O QUE SIGNIFICA?

Agora é crime! Advogado explica a criminalização do bullying e cyberbullying

A sanção do Projeto de Lei aborda outras questões cruciais na garantia dos direitos de crianças e adolescentes. A transformação de alguns crimes em hediondos traz mais robustez as penas e mais arcabouço jurídico para as discussões de políticas públicas.

Crimes hediondos

O projeto inclui na lista de crimes hediondos (Lei 8.072, de 1990):

  • Agenciar, facilitar, recrutar, coagir ou intermediar a participação de criança ou adolescente em imagens pornográficas;
  • Adquirir, possuir ou armazenar imagem pornográfica com criança ou adolescente;
  • Sequestrar ou manter em cárcere privado crianças e adolescentes;
  • Traficar pessoas menores de 18 anos.

Com isso, essas práticas passam a ser tratadas como mais graves e alarmantes, recebendo tratamento penal e de execução penal mais severo, com diversas restrições, inclusive ao cumprimento de pena e à progressão de regime.

Crimes hediondos têm uma abordagem penal mais rigorosa, impossibilitando o pagamento de fiança, dificultando a concessão de perdão da pena e retardando significativamente a progressão de regime. Essas mudanças refletem a preocupação em fortalecer a proteção, especialmente para crianças e adolescentes, que são frequentemente vítimas desses tipos de crimes“, destacou De Faria.

BULLYING E CYBERBULLYING: UM PROBLEMA DA SOCIEDADE

O Advogado Gabriel de Faria expressou a expectativa de que, ao lidar com casos de bullying e cyberbullying, o poder público ofereça amparo às vítimas e aplique a lei de forma proporcional e inteligente. Ele ressaltou que o direito penal, por si só, não resolve problemas complexos da sociedade, e a prevenção do bullying deve ser uma prioridade social, envolvendo esforços do Estado e da sociedade civil.

“Bem, na qualidade de advogado e especialista em ciências criminais, esperamos que o poder público, ao tratar desses casos de bullying e cyberbullying – que são o objeto da nossa conversa -, consiga, da mesma forma que ampara as vítimas desses delitos, seja com atendimento pela polícia militar no momento da prática, seja por meio de uma investigação completa da Polícia Civil, seja através do acionamento de estruturas de assistência social estatais e de amparo social, para que possam acompanhar psicologicamente as vítimas quando necessário. Ao mesmo tempo, esperamos a efetivação dessa lei, dessa proteção, que é objetivada tanto pela Constituição como pelo Estatuto da Criança e do Adolescente”

Finalmente, ele incentivou a pesquisa sobre o tema, buscando informações seguras, e destacou a necessidade de construir um debate público sobre a criminalização dessas condutas.

“Eu convoco todos os ouvintes, todos os leitores, a pesquisarem sobre o tema, a lerem sobre o assunto e a buscarem informações seguras através de fontes seguras e confiáveis, seja através do advogado, seja através da internet e sites competentes para isso, que realizam esse trabalho. Isso é fundamental para construirmos um debate público em torno desse tipo de situação, porque quando algo é configurado e tipificado como crime no direito penal, isso implica em um âmbito de aplicação mais severo do direito. No entanto, estudos comprovam que o direito penal, por si só, não resolve problemas complexos da nossa sociedade. Portanto, evitar o bullying é um papel social, é uma responsabilidade de todas as instituições estatais e da sociedade civil” finalizou Gabriel de Faria ao Galilé.

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