Durante a 75ª reunião ordinária da Câmara de Ouro Preto, ocorrida na quinta-feira (24), o vereador Júlio Gori (PSC) pediu, por meio da Representação 326/2022, para que a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) mande uma delegação para a cidade a fim dela avaliar alguns setores que foram motivos da concessão do título de Patrimônio Histórico e Cultural da Humanidade ao município, como educação e conservação do patrimônio histórico. O membro do poder Legislativo, assim como outros vereadores, avaliaram os dois pontos como deficitários.
Na representação que possui quatro páginas, Gori elenca alguns dos problemas envolvendo a educação e a conservação do patrimônio histórico de Ouro Preto. Ele cita os problemas com o transporte escolar para os alunos dos distritos e o mal estado de conservação da Igreja Bom Jesus de Matosinhos e a Matriz do distrito de São Bartolomeu.
“Será que esse título de patrimônio artístico e cultural da humanidade é condizente com o que nós vivemos hoje dentro de Ouro Preto? Acho que é momento de repensar, quem vem passear em Ouro Preto acha que está mil maravilhas e a situação de Ouro Preto é extremamente delicada. Então, nós temos que alertar, essa casa tem que acionar todos os órgãos, nós vamos transcrever o documento para inglês e queremos que ele chegue à Unesco para que seja feito o melhor para Ouro Preto. Não adianta ter um título e viver de ilusão, não adianta ter um ‘prefeitão’ que fala cinco idiomas, estudado e o povo de Ouro Preto sofrendo do jeito que está, com as escolas do jeito que estão hoje. Todo esse patrimônio artístico, cultural e religioso está abandonado. Então, é hora de rever todos esses conceitos”, declarou Júlio Gori.
Apesar de concordarem com Júlio Gori sobre o problemático transporte escolar, os vereadores Alex Brito (Cidadania), Vantuir (PSDB), Vander Leitoa (Solidariedade), Zé do Binga (PV) e Lilian França (PDT) reprovaram a representação, com receio do documento colocar em cheque o título de Patrimônio Cultural da Humanidade de Ouro Preto.
Júlio Gori, no entanto, esclareceu que não pediu o cancelamento do título. “Como a Unesco estará em Ouro Preto no final do ano, que eles avaliem a situação da educação e do nosso patrimônio. A Unesco tem que saber como está a Igreja Bom Jesus de Matosinhos, a Igreja de São Bartolomeu, é uma forma de chegar recurso. O documento é para estimular a Unesco”, disse.
O vereador Luciano Barbosa (MDB) entendeu a indignação de Gori, mas pediu vista da representação para que não vote num projeto que possivelmente possa prejudicar o município.
Sobre o título
Ouro Preto é uma das 14 cidades brasileiras que possuem o título de Patrimônio Cultural da Humanidade. Em Minas Gerais, só Diamantina também conseguiu a honraria. A cidade ouro-pretana foi coroada há 42 anos pela Unesco.
No início de setembro, Júlio Gori já havia alertado que pediria à Unesco a suspensão do título da cidade, o que foi reprovado pelo prefeito Angelo Oswaldo (PV). “A Unesco nem tomaria conhecimento disso, porque é um processo que foi deliberado há 42 anos. Ouro Preto é um símbolo nacional, é monumento desde 1933, quando Getúlio Vargas declarou Ouro Preto como tal. Ouro Preto é o primeiro bem escrito pela Unesco como Patrimônio Mundial e uma pessoa que faz uma proposta dessa desrespeita a nossa cidade, não sabe argumentar ou analisar a situação, ela simplesmente cometeu um ato desrespeitoso e indigno de um vereador”, disse ao Jornal Galilé na ocasião.
Porém, em 2003, o título esteve ameaçado por conta de um incêndio que destruiu construções históricas em Ouro Preto. Naquele ano, um representante do Comitê do Patrimônio Mundial, com sede em Paris, visitou o município para avaliar o estado de conservação da cidade. A partir de um documento elaborado, foram feitas algumas recomendações ao governo federal para reverter o processo de descaracterização da cidade patrimônio.
Os principais problemas apontados pelo representante na época estavam relacionados à ocupação desordenada das encostas, tráfego pesado no centro histórico, infraestrutura de saneamento precária e obras irregulares.
O consultor técnico da Unesco da época, Henrique Oswaldo de Andrade, avaliou que além do impacto no turismo, a perda do título concedido pela Unesco seria um atestado de incapacidade do governo federal em zelar seu patrimônio histórico.
Representação 326/2022
Ouro Preto, primeira cidade brasileira a ser declarada Patrimônio Histórico e Cultural da Humanidade, o maior patrimônio do município é indiscutivelmente seus munícipes. É dever do Município zelar pelo seu povo, administrando os recursos de maneira responsável, abrangendo as necessidades individuais e coletivas, assegurando direito e transformando realidades. A política pública deve visar produzir resultados, revisar objetivos, possibilitar o acesso a bens e serviços, concretizando direitos básicos, essenciais e fundamentais à população. Considerando que em Ouro Preto, os bons e efetivos resultados desejados pela sociedade estão sendo desprezados, apresentamos os seguintes argumentos dos fatos:
O nosso povo tem uma história marcada, por muitas vezes, pela falta de oportunidades pelo desrespeito a direitos básicos e fundamentais por parte do poder público. No momento atual, entre inúmeras situações, uma das mais graves é a incapacidade do poder público em garantir o direito ao acesso à educação de crianças e adolescentes. A pandemia da Covid-19 afetou muito a educação de jovens e crianças em todo o mundo, em nosso município não foi diferente. Dois anos de distanciamento social, o comprometimento do calendário escolar, os retrocessos no processo educacional e a aprendizagem dos estudantes. As dificuldades de acessar os conteúdos das aulas remotas, a falta de internet e de equipamentos, a evasão escolar, ocasionando uma série de consequências para a vida das crianças e dos adolescentes, comprometendo as gerações futuras.
Considerando que a educação básica é fundamental para o desenvolvimento intelectual das crianças e dos adolescentes, instrumento imprescindível para o desenvolvimento de uma sociedade justa e igualitária, além de ser um direito garantido na Constituição Federal. No pós-pandemia, houve o tão desejado retorno às aulas com atividades totalmente presenciais, no entanto, em Ouro Preto, persistem os transtornos e as negações diárias do direito à educação, o que aumenta a possibilidade dos jovens não darem continuidade aos estudos. São inúmeros os problemas pelos quais atravessam o povo ouro-pretano. Hoje, a educação, em Ouro Preto, atravessa um período de dificuldades decorrentes da má administração pública, que tem se mostrado inábil em encontrar soluções. Levando em conta o período em que as unidades educacionais estavam fechadas por conta da pandemia, obras de reformas foram iniciadas tardiamente e de forma aparentemente sem que tivesse planejamento definido por uma essencial sequência dos trabalhos, tendo como resultado escolas com condições incompatíveis com a necessidade da comunidade escolar, inacabadas ou paralisadas, o que demonstra, na prática, a ausência da elaboração de um projeto de ações, provocando atraso no efetivo retorno às aulas. Retorno às aulas em prédios e casas, locais improvisados e inapropriados. Há ineficiência nos serviços de transporte escolar para a zona rural, distritos e localidades, somado ao todo ocasiona a evasão escolar em parte decorrente da adversidades vivenciadas por alunos, professores e pais. Há existência de denúncia de membros do Conselho Tutelar Municipal. “A ineficiência da rota é muito grande, buscam alguns na parte da manhã, não buscam na parte da tarde. Buscam alguns alunos e não buscam outros” (fala da conselheira tutelar). Segundo as famílias, o transporte é facultado a alguns alunos de acordo com a orientação de vereadores, que supostamente membros do poder Legislativo interferem no fornecimento do transporte escolar. Em Ouro Preto, é imprescindível corrigir desigualdades e proporcionar oportunidades iguais para todos. As comunidades escolares precisam ser protegidas e amparadas, visando a aprendizagem como meio de assegurar o desenvolvimento hoje das gerações que serão responsáveis por administrar o futuro da nossa cidade.
No que tange à preservação do patrimônio histórico, é visível que o Município necessita também de um choque de realidade. São consideráveis os problemas e que merecem um levantamento minucioso da real situação da preservação de casarões e monumentos históricos, como exemplo Igreja Bom Jesus de Matosinhos, construção iniciada em 1771, menciona o Aleijadinho como autor da magnífica portada. É um dos exemplos de patrimônio em situação de degradação e lamentavelmente é muito provável que, após uma minuciosa vistoria, haja a confirmação de que está havendo no mínimo falta de diligência para solucionar os problemas existentes. A Matriz do distrito de São Bartolomeu, com obras da metade do século IXX, o monumento apresenta situação física precária em decorrência da degradação de seus elementos construtivos, processo que se agrava por infiltrações no telhado, falta de drenagem pluvial no entorno da matriz, que são condições demasiadamente prejudiciais, ameaçando a integridade física dos elementos artísticos da matriz.
Os fenômenos naturais existem, os órgãos pesquisadores que acompanham as mudanças climáticas e geológicas advertem há anos sobre a situação das encostas, dos taludes, que comprometem a segurança e a qualidade de vida das pessoas e pouco tem sido realizado. Há a insuficiência das ações dos governos federal, estadual e municipal para somar esforços, visando realizar as medidas cabíveis à proteção da cidade e de sua população que clama sua devida assistência. Diante da perceptível necessidade de movimentar órgãos e setores responsáveis, visando assumir os cuidados, as garantias dos direitos das crianças e dos adolescentes e da preservação do patrimônio em sua totalidade, venho respeitosamente, por meio desta representação, solicitar à Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco), com sede em Paris, que encaminhe a Ouro Preto uma delegação com a finalidade de avaliar a atual conjuntura da educação básica do município, bem como as condições de preservação da herança patrimonial histórica e de tudo mais que for possível, dando atenção aos elementos que possibilitaram a concessão do título a Ouro Preto de Patrimônio Cultural da Humanidade, objetivando resgatar autoestima e orgulho da nossa população. Que os membros da comissão instituída por essa entidade possam averiguar, junto aos órgãos, instituições e conselhos municipais, os registros da lamentável situação exposta: Conselho Municipal de Educação, Conselho Tutelar, Secretaria Municipal de Educação, Conselho Municipal de Acompanhamento e Controle Social do Fundo de Manutenção do Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais de Educação, ao Ministério Público de Minas Gerais Comarca de Ouro Preto, 3ª Promotoria de Justiça que trata da defesa da saúde e do patrimônio público, 4ª Promotoria de Justiça responsável pelas áreas de defesa da criança e do adolescente cível e infracional, Defesa dos Direitos Humanos e outros, a Câmara Municipal de Ouro Preto, os inúmeros documentos encaminhados ao poder Executivo municipal, nas gravações de reuniões com a participação na tribuna livre de educadores, pais e membros dos conselhos, relatando problemas graves e rogando por providências. A crise instaurada na educação agravada por causas diversas e tendo por consequências o déficit no aprendizado das nossas crianças e adolescentes, o que torna inadmissível o prolongamento do atual contexto, tendo em vista que o atual ano de 2022 está próximo do fim.
As família aspiram iniciar o ano de 2023 com as condições adequadas, com o suporte que garanta o direito fundamental à educação básica tão devastada no município. Ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), objetivando um apanhado das situações dos inúmeros problemas existentes em relação aos elementos arquitetônicos que compõem o acervo histórico do Município. Convicto de que essa organização não se furtará em realizar pesquisa em loco no intuito de auxiliar-nos para que ocorra um chamamento das autoridades, notificando-as em relação ao descumprimento de suas obrigações e deveres, negligenciando a infância e a juventude de Ouro Preto, assim como o desmazelo com a preservação dos monumentos históricos.
Sem mais para o momento, agradeço desde já a atenção dispensada ao povo de Ouro Preto, vereador Júlio Gori.
Jornalista graduado pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), tendo passagens pelo Mais Minas, Agência Primaz e Estado de Minas.