Em “Aconteceu em Ouro Preto”, publicado pela editora Viseu, escritor mineiro mergulha nas histórias da cidade em contos repletos de mistérios e personagens peculiares
“Perdoamos os pequenos jornais do interior e seus intrépidos jornalistas que quando não têm notícia, inventam umas boas, que é para a vida correr mais lisa. Mentem muito, como os que surrupiam verdades para amolecer o coração da gente, e estão sempre às voltas com poetas desgarrados, que não deixam de sonhar.” Trecho do livro (p.11)
Um passeio por uma Ouro Preto repleta de histórias surpreendentes, figuras curiosas e com o melhor da imaginação dos contadores de “causo”. É isto que o leitor vai encontrar em “Aconteceu em Ouro Preto” (130 páginas), do escritor mineiro Paulo Leitor. Publicado pela Editora Viseu, a obra reúne 17 contos, todos ambientalizados em Ouro Preto/MG, cidade patrimônio cultural da humanidade, dando a um dos municípios mais bem preservados de nosso período colonial um aspecto mágico, um lugar cheio de mistérios e personagens inesquecíveis.
Trata-se de um livro de entretenimento, destinado a divertir o leitor com deliciosos casos da vida cotidiana, todos narrados com o saboroso sotaque mineiro de um autor experiente tanto no campo da literatura quanto na arte de observar as pessoas. “Aconteceu em Ouro Preto” é um passeio por uma galeria inusitada de personagens, ambientados na mágica cidade mineira onde o autor viveu por mais de uma década.
O escritor como “fazedor de realidades”: entre Fernando Sabino e Ernest Hemingway
Escritos com argúcia, constroem um mundo imaginário que desperta no leitor uma enorme vontade de participar das cenas, seja vivendo a fundo o erotismo de pessoas tão díspares quanto as velhinhas de uma casa de repouso e a jovem que vende sua virgindade a alguém escolhido a dedo, seja participando de segredos inesperados, como o da galinha esquisita ou a árvore eletrônica, criada por uma seita secreta de engenheiros.
“Estes textos foram escritos durante o período de reclusão provocado pela pandemia da covid-19 que grassou no país e fez com que todos se recolhessem. Fiquei preso em casa por muitas semanas, então resolvi escrever para passar o tempo de forma produtiva. Proporcionou-me enorme divertimento produzi-los, sem nenhuma preocupação literária senão o prazer de contar histórias”, relata o autor.
O panorama que apresentam compõe-se de cenas que fazem sorrir, refletir, imaginar e mergulhar em um mundo muitas vezes utópico, mas certamente possível de ser um dia construído. Paulo Leitor define o seu “Aconteceu em Ouro Preto” como uma reunião de “histórias de pessoas em seu magnífico trabalho de viver, conviver, tentando ser feliz, tendo como palco um cenário extraordinário pela história, cultura, e pessoas da cidade.”
“Aconteceu em Ouro Preto” é resultado também de uma saudade. “A cidade de Ouro Preto é um lugar muito especial, conversar com os moradores é resgatar casos cada vez mais interessantes. Eles vão se acumulando, até surgir a necessidade de mostrá-los ao mundo”, comenta.
O autor, que tem como referências escritores tão imaginativos quanto ele, como Rubem Braga, Fernando Sabino, e os grandes mestres León Tolstoi e Ernest Hemingway, não poupa suas histórias de fatos inusitados — que só acreditamos porque estão sendo contados por um grande proseador. Paulo Leitor, no entanto, nos faz acreditar, com maestria, que a relação entre verdade e fantasia é uma questão supérflua, pois o que importa é o bom narrar.
Ao escrever, Paulo primeiro imagina “uma palavra, uma cena, uma expressão, uma história” que em sua cabeça, “é curtida, gozada, montada” e só depois se torna realidade. “O escritor é um fazedor de realidades para a vida ficar melhor”, conclui.
Confira um trecho do livro:
Ouro Preto é uma cidade extraordinariamente bonita e muito misteriosa. Existem muitos segredos desnecessários, mantidos por pessoas desconfiadas. Todos acreditam que sejam histórias que podem desmerecer pessoas e famílias inteiras e que, por isso, permanecem veladas. Por isso, à custa de muito sofrimento, as pessoas vão criando uma couraça de indiferença e de antolhos para tudo que é externo, e só se permitem ver o que está imediatamente à frente, o conhecido, pois o resto não interessa, “não é daqui”, e seguem vivendo. (p.26)
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Jornalista em formação pela Universidade Federal de Ouro Preto, apaixonado por música e audiovisual.