O Serviço Geológico do Brasil informou que mais de 13 mil áreas foram consideradas de risco geológico alto ou muito alto. O levantamento mostra que das 1.621 cidades mapeadas, 1.421 apresentaram regiões de risco. A cidade com o maior número é Ouro Preto, com 313. Pelo menos 97% dessas áreas estão no patamar de risco geológico alto e 2,8% muito alto na Cidade Patrimônio. Grande parte da população ouro-pretana ocupa espaços entre montanhas e o Parque Estadual do Itacolomi desde a época do Ciclo do Ouro. Assim, muitas construções foram feitas em áreas irregulares, erguidas em encostas.
O bairro que mais sofre com o deslizamento de terra provocado pelas chuvas é o Taquaral. Os moradores do local enfrentam situações desesperadoras e ficam na incerteza de saber se poderão ficar em casa quando chove. Em 2012, grande parte da comunidade precisou ser deslocada por habitar em áreas de risco. O mesmo aconteceu no ano passado, quando Ouro Preto entrou em estado de calamidade por conta do período chuvoso. Neste mês de janeiro a situação se repete.
“O bairro inteiro está em área de risco. O que não atingiu em janeiro do ano passado hoje já começa a ser atingido. O que estamos sofrendo agora é com a infraestrutura. A antiga Secretaria Municipal de Obras começou com uma obra aqui, mas ela parou de uma hora para outra. Hoje, com a chuva, fechou outra rua e estamos praticamente ilhados. Temos a primeira entrada fechada, porque ano passado a rua ficou detonada e não arrumaram. Temos a entrada do chafariz que eles fecharam com um tapume para começar a obra que não foi adiante. E tem a próxima entrada que desceu um barranco e a fechou. Agora temos apenas apenas a entrada da igrejinha, que é a última entrada para o Taquaral”, conta a presidente da Associação de Moradores do Taquaral, ao Jornal Galilé.
Estéfane diz que o preço dos lotes em Ouro Preto é muito alto e que as famílias que moram no Taquaral são, em grande maioria, de baixa renda e não têm condições de ir para outro lugar. Quem é retirado de casa recebe a assistência do aluguel social da Prefeitura de Ouro Preto, no valor de R$ 700. Em 2022, com a grande crise que as chuvas causaram ao Taquaral, 80 famílias ficaram desalojadas e receberam um auxílio emergencial. Depois, quem pôde voltar para casa com segurança, teve o aval da Defesa Civil para retornar, e os que não voltaram, recebem um auxílio-moradia.
Como solução para a habitação em áreas de risco, a Prefeitura de Ouro Preto desapropriou 34 hectares de terra que foram cedidos gratuitamente à antiga empresa Novelis, em 1953. O local, que fica entre os bairros Bauxita e Saramenha, deverá abrigar 150 casas para a construção do “Novo Taquaral”. Para isso, a Câmara Municipal aprovou a contratação de crédito no valor de R$ 16 milhões para investimento em moradia para os atingidos pelas chuvas de 2021 e janeiro de 2022. O processo está em avaliação no Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG).
“O sentimento que temos é de impotência, porque a maioria das famílias é de baixa renda. Não temos condições de ir para outro lugar, de comprar outro lote, porque quem recebe um salário mínimo come ou compra. Como uma pessoa que recebe salário mínimo que tem uma família com criança, idoso e enfermos vai comprar um lote? Ficamos a mercê do sistema. Quando vou ao trabalho, minha cabeça fica lá e cá. Hoje, trabalhei de manhã cedo para fazer um ‘extra’ e o pessoal me ligando no serviço e eu de lá entrando em contato com a Defesa Civil. Depois que saí do serviço, dei uma volta para dar uma tranquilizada no pessoal, mas não é fácil. Isso é rotineiro”, relata Estéfane.
Atualmente, 178 famílias são atendidas mensalmente com o aluguel social, em um investimento de R$ 125 mil. Além das terras da Novelis, 40 hectares da antiga Febem também foram desapropriadas para atender as 6.486 pessoas que moram em área de risco.
Urbanização irregular
Um levantamento feito pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) encontrou 250 cavidades na cidade, além de 170 sarilhos. Essas informações vão contribuir para a reforma do Plano Diretor do município, buscando informar as pessoas onde é possível pisar, cavar e construir. Além disso, a Defesa Civil tem a intenção de criar núcleos em cada bairro para a devida orientação para a população local.
Atualmente, a Prefeitura de Ouro Preto tem em mãos a leitura de seu território para poder distinguir onde é melhor e pior para ocupar, por meio das Cartas de Aptidão. Com ela, o Município consegue identificar e mapear as áreas de risco, realizar estudos de identificação de suscetibilidades e vulnerabilidades, obrigatoriamente acompanhadas do monitoramento meteorológico, hidrológico e geológico.
Em Ouro Preto, as Cartas Geotécnicas de Aptidão à Urbanização foram elaboradas por um grupo de pesquisadores da UFOP. Inicialmente, por meio do primeiro Termo de Cooperação, de 2013, foram cartografadas duas áreas na Cidade Patrimônio: a bacia hidrográfica do Rio Maracujá e a área periurbana do Passa Dez. Esses primeiros trabalhos serviram de base para o desenvolvimento de procedimentos adotados em outros três municípios em um segundo Termo de Cooperação (2014/2015): Juiz de Fora (cinco áreas), Nova Lima (duas áreas) e Ervália (entorno da área urbana). Posteriormente, foi assinado um termo aditivo ao segundo termo de cooperação para elaboração de duas cartas de aptidão à urbanização na Cidade Patrimônio.
As duas primeiras cartas foram entregues à Prefeitura de Ouro Preto em sessão oficial realizada no Salão Nobre da Escola de Minas, em 16 de dezembro de 2013, contando com a participação de representante do Ministério das Cidades.
As cartas executadas em 2015 e 2016 foram repassadas à Prefeitura Municipal em 2018, em uma solenidade realizada no encerramento do Curso Integrado de Gestão Urbana de Ouro Preto. Uma nova Carta de Aptidão foi entregue pela UFOP ao Município, após as trágicas chuvas que assolaram a cidade em 2022 (e que custaram R$ 223 milhões à administração municipal em enfrentamento e resguardo da população), entretanto, a carta nunca foi colocada em prática no planejamento municipal.
“Nós temos um problema de política de governo e de estado. Nós precisamos trabalhar para que essas ações e que esse conceito de Defesa Civil mais amplo passem a ser políticas de estado, ultrapassando os governos. Eu vejo que há um desenvolvimento e uma força de vontade muito grande por parte da Defesa Civil Estadual em alcançar níveis mais avançados. Vamos fazer a revisão do plano diretor adotando a carta e, também, a indicação da Defesa Civil dos pontos das Zonas de Autossalvamento (ZAS)”, declarou o Secretário Municipal de Defesa Social, Juscelino Gonçalves, à Agência Primaz.
Início do período chuvoso
No ano passado, o Plano Municipal de Redução de Riscos foi tratado pela Defesa Civil com o objetivo de construir referenciais técnicos e gerenciais que possibilitem à Prefeitura de Ouro Preto a implementar intervenções estruturais e ações não estruturais para o controle, a redução e a erradicação de situações de riscos ligado a processos de instabilização de taludes em encostas e solapamentos de margens de córregos.
No dia 5 de janeiro, foi feita uma reunião do comitê de gestão de risco da Prefeitura de Ouro Preto, cujo a gestão é feita pela Defesa Civil Municipal. Com o início do período chuvoso de forma mais crítica, os agentes envolvidos procuram articular medidas preventivas a serem adoradas pelas autoridades e secretarias municipais, caso as previsões meteorológicas de grande volume de chuva se confirmem na cidade.
“Tendo em vista as previsões do tempo que foram repassadas por meio de órgãos oficiais, em que são previstos até 300 mm nos próximos três dias, e considerando que o solo já se encontra enxarcado, é muito importante que a população fique atenta e, para isso, nós articulamos com todas as forças de segurança para a operação do nosso plano de contingenciamento, caso situações graves aconteçam. É uma situação em que cada setor, seja Polícia ou Bombeiro Militar, Guarda Municipal, Ourotran e demais órgãos envolvidos, sabem exatamente quais serão suas ações táticas para que hajam de forma tempestiva e imediata no caso de um acidente”, disse o geólogo da Defesa Civil de Ouro Preto, Charles Murta.
Ainda nos últimos dias de dezembro, o prefeito de Ouro Preto, Angelo Oswaldo (PV), disse que a cidade está preparada para o início do período chuvoso. “O Município está preparado desde o início da estação chuvosa. Desde outubro, nós já tomamos todas as providências de organização, de plantões e de medidas de prevenção. Mas, sempre acontece alguma coisa inesperada. Não podemos prever o que vai acontecer de um dia para o outro”, declarou.
As estratégias da Prefeitura de Ouro Preto também contam com a colaboração das empresas que atuam na cidade, principalmente nos distritos, além dos centros administrativos locais e a colaboração da comunidade, junto das secretarias de Obras, Defesa Social e Defesa Civil.
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Jornalista graduado pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), tendo passagens pelo Mais Minas, Agência Primaz e Estado de Minas.