Era um sábado de manhã quando ouvi pela primeira vez o novo álbum de FBC. Cheio de pensamentos confusos na cabeça, eu vinha de algumas semanas difíceis. Mas sou um grande fã de Fabrício, por isso já deixei o Spotify no jeito para acordar, ir me exercitar e curtir o trabalho dos principais rappers do Brasil. A barra do supino estava acima de mim quando percebi que minha cabeça mexia num ritmo diferente no banco. Não é rap. Não é rap? É rap. Mas é dance music. É um Dance Rap? Sorri enquanto as letras afiadas e aquela voz rasgada roubavam minha atenção. Com autoperdão, por não conseguir treinar corretamente, com amor pelo dia de folga e com a tecnologia que me permitia ouvir músicas tão incríveis, estava decretado: aquele dia o treino seria ao som de músicas que me levariam para outro planeta.
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Desde o nome escolhido para o álbum, passando pelos feats, interlúdios, beats e conceito: o que FBC trouxe foi algo novo. É uma leitura extremamente prazerosa – e de certa forma angustiante – do nosso tempo. Nas letras, Fábrício navega pela mente perdida de um ser que trafega pelo mundo tentando entender, afinal de contas, o que é esse planeta cheio de dopamina, respostas rápidas, fluidez, vontades, medos, culpa e delírio. Contudo, é um ser que também perdoa, erra, inveja, tem rancor e, acima de tudo, é humano.
Já conheço a profundidade do trabalho de FBC. Ele não se sujeita a fazer música dentro da zona de conforto: ele experimenta. E dessa vez, suas experiências ao lado de Pedro Senna e Pepito (seus beatmakers) buscam algo que está além do hit – que existem em profusão no álbum – mas sim na profundeza da alma de quem o escuta.
A ANGÚSTIA E O AMOR
Este é um dos trabalhos do FBC que mais abordam relacionamentos. Além disso, é um dos trabalhos que melhor aborda relacionamentos nesses novos tempos. A frase “Menina, você me machucou com aquele seu story” é um retrato perfeito dos encontros no Tinder, das noites de mensagens trocadas e da comunicação esquizofrênica do amor “instagramável”.
O eu-lírico do álbum confronta constantemente uma grande angústia por amar. É como se ele visse o amor como algo tão idealizado quanto agressivo e, ao mesmo tempo, salvador. FBC não desiste do sentimento neste álbum, mas detalha como tudo está excessivamente complexo.
O fim de um relacionamento é o tema do feat mais aguardado do álbum, com Don L. “Estante de Livros” é uma música sobre o medo do término na superfície, mas no subtexto é uma exploração da intimidade. Compartilhar momentos, traumas, desejos e hábitos: é o que realmente dói em um fim de relacionamento.
E no stories, meu, primeira tiragem
Na estante de livros que agora você divide com outra pessoa em sua nova hospedagem
Logo você, que só lê livros no Kindle
Roubar os meus foi a maior sacanagem
Nem Baudelaire escreveria tão bem
Quanto mal eu me sinto vivendo seu personagem
Fã de livros de histórias de amor
Considera Paris a mais bonita cidade
Te recitei “Flores do Mal”
Você retribuiu com a mais pura maldade
Paradoxalmente, a única música que tem amor no título, “Químico Amor” é também a mais dançante e a que menos gera angústia. É um convite para dançar, para tentar viver um amor líquido. Já “Atmosfera” já soa mais como uma declaração, ou uma carta de intenções, deste amor idealizado, mas também libertador.
A CULPA E O PERDÃO
Outro tema abordado e discutido na obra é a questão da culpa. No mundo fluido em que vivemos, a busca por culpados parece infinita. É um constante confronto com os próprios erros, onde buscamos nos despedaçar com nossos próprios pensamentos. A canção “Antissocial” trata de atribuir a culpa aos outros, enquanto “Desculpa” lida com a autorrecriminação e a busca pelo perdão. É nesse ponto que FBC se aproxima dos princípios estoicos.
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Ao considerar o perdão como um elemento que pode nos “levar para outro planeta”, ele se aproxima da maturidade segundo a perspectiva de Epicteto.
“Uma pessoa imatura culpa os outros o mal que lhe acontece; uma pessoa que começou a amadurecer culpa a si mesmo; mas uma pessoa madura não culpa nem o outro nem a si mesmo”
O estoicismo é uma antiga filosofia que enfatiza a busca pela virtude, autocontrole emocional e aceitação serena das circunstâncias da vida. Os estoicos acreditam em viver de acordo com a razão, praticar a autodisciplina e cultivar a tranquilidade interior diante dos desafios e adversidades.
No entanto, a filosofia de FBC é ainda mais impactante do que a dos gregos. Isso porque ele explora os medos contemporâneos. As relações verdadeiramente duradouras passam por momentos de perdão mútuo. É por isso que Fabrício deseja, acima de tudo, perdoar – libertando-se de sentimentos negativos – e também perdoar a si mesmo, buscando uma compreensão mais profunda de seus pensamentos. Isso se torna um foco crucial, uma maneira de desvendar e enfrentar os dilemas e ansiedades que ecoam na sociedade moderna.
É uma viagem intergalática dentro do próprio ser. O outro planeta que Fabrício Soares busca, talvez seja dentro de sua própria mente, ou das nossas mentes.
Eu já fiz muita besteira na minha vida
Falei quando devia ter ouvido
Fui grosso quando eu deveria ter sido gentil
No entanto, hoje, eu estou atento
Tenho plena consciência do meu espaço e daqueles que estão à minha volta
Eu estou focado no essencial e alheio a todo o resto
O futuro é incerto, mas não estou preocupado
Vou contar com os mais próximos de mim
Vou compartilhar seus problemas assim como fazem com os meus
Eu vou viver, eu vou amar
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O DELÍRIO E A TECNOLOGIA
Essa noite vai passar, temos o que conversar
Mas ir longe assim não dá (la-la-la-la-la)
E se você vai lembrar, preciso te encontrar
Mas na rede assim não dá (la-la-la-la-la, la-la)
músicas “Dilema das Redes” e “Não me ligue nunca”. A ansiedade gerada pela falta de resposta em uma história (story) é evidente. O eu lírico do álbum se vê perdido, mas ao mesmo tempo já está adaptado a essa nova realidade.
É por meio da tecnologia, que permite a expansão do conhecimento, que talvez possamos alcançar um novo patamar.
Faixa por faixa, o novo álbum de FBC proporciona uma experiência extremamente agradável. Seja para praticar exercícios, ter uma noite prazerosal com alguém que você ama ou se entregar a um momento de tristeza profunda. A imersão do artista em seu próprio pensamento dá origem a um trabalho artístico primoroso, que alcança o que a arte aspira: refletir e evocar emoções, pensamentos e conexões.”O amor, o perdão e a tecnologia irão nos levar para outro planeta” com certeza te leva para fora da zona de conforto.
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Jornalista formado pela Universidade Federal de Ouro Preto, com passagens por Esporte News Mundo, Blog 4-3-3 e Agência Primaz.
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